Toquinho: ‘Não sou Bolsonaro, nem Lula. Odeio política’
Aos 74 anos, músico fala a VEJA sobre novo álbum de inéditas, a situação atual do Brasil, a pandemia e como acha inexplicável o sucesso do hit 'Aquarela'
Aos 74 anos e no grupo de risco, o cantor e compositor Toquinho foi um dos primeiros músicos a voltar a se apresentar ao vivo com o público presente, assim que as autoridades liberaram as aberturas das casas de shows. O retorno aos palcos coincidiu também com a chegada de seu novo álbum de inéditas em nove anos. Com 55 anos de carreira, Toquinho lança nesta sexta, 6, A Arte de Viver, pela gravadora Deck, com 11 faixas musicadas por ele e com letras escritas pelo compositor Paulo César Pinheiro, com parcerias com nomes como Maria Rita e Camilla Faustino.
A faixa-título, que também abre o álbum, é um alento em tempos de pandemia e diz na letra: “A vida é um mistério/Pra gente aprender/Pois não tem critério/E quem leva a sério/Começa a morrer”. Em entrevista a VEJA por vídeo, Toquinho disse que viver é um eterno aprendizado. “Ainda mais com essa bagunça que é a vida, especialmente no Brasil”, disse, comentando também sobre os governantes, seu apoio a Sérgio Moro e aversão à política.
Parceiro de longa data de ícones da música brasileira, como Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Baden Powell, Chico Buarque e Jorge Ben Jor, entre tantos outros, Toquinho é autor de clássicos da música brasileira, como Tarde em Itapuã, Samba de Orly e Que Maravilha, além, é claro, de Aquarela. Na entrevista, ele falou sobre o retorno aos palcos e os antigos sucessos, além de temas do momento, como o coronavírus, Bolsonaro, e claro, o Corinthians, seu time do coração.
Seu novo disco se chama Arte de Viver. É um título bom para os novos tempos, não acha? A arte de viver é sempre. Viver é um eterno aprendizado, ainda mais nessa bagunça que é a vida, especialmente no Brasil que tem uma desigualdade muito grande e esse policiamento do politicamente correto. Tudo está mais difícil e melindroso. Existe uma corrupção endêmica no país em todos os setores. Agora, com a pandemia, tem corrupção na saúde, com compra de máscaras e respiradores. É uma vergonha. Foi uma vergonha o que aconteceu no Rio de Janeiro. Por isso que o título A Arte de Viver não é só para a pandemia, não. Ele tem que ser colocado nos grandes desníveis que existem no Brasil.
Já que tocou no assunto da corrupção. Em 2018, após as eleições presidenciais, o senhor disse em uma entrevista que o Brasil agora estava nas mãos de pessoas incorruptíveis, como o juiz Sérgio Moro. Ainda apoia ele? Foi uma grande bobagem. Não foi isso. Eu estava dando uma entrevista para uma revista espanhola e foi logo depois que o Moro foi anunciado como ministro. Não sou a favor de Bolsonaro ou de Lula. Eu odeio política. Naquela época, em 2018, o que era o Moro no Brasil? Ele era um símbolo, como ainda me parece que é. Era um símbolo de uma retidão muito grande. Ele implantou a Lava-Jato. Aquilo foi algo que lavou um pouco a alma do Brasil. Quando ele foi escolhido como ministro deu, não só em mim, acho que na população toda, uma sensação de: “esse cara aí não é corrupto”. Agora, existe uma polarização burra no Brasil, que eu não posso chamar de outra maneira. Começam a te catalogar como se fossem contra ou a favor do Bolsonaro. Eu nunca falei do Bolsonaro na minha vida, nem do Lula, nem de nada. Eu duvido que qualquer outra pessoa não tivesse tido a mesma sensação do que eu e um certo conforto de ter o Moro ali na Justiça. Só que a coisa foi para o outro lado. Teve a desavença dele com o presidente. Isso foi outro problema. O que tem de mal em confiar em uma pessoa?
O senhor já voltou a fazer shows ao vivo, mas tem 74 anos e está no grupo de risco do coronavírus. Que cuidados está tomando? O coronavírus matou muita gente, mesmo. Eu mantive os cuidados necessários, sem precauções exageradas e nenhum pânico. Lavei minhas mãos. Carrego álcool 70% (não gosto do gel) e uso máscara em todos os lugares. Há quase 40 anos, quando fui para o Japão pela primeira vez, as pessoas já andavam de máscara nas ruas. Nós aprendemos a lavar as mãos só agora. É uma falta de educação enorme. O brasileiro é muito mal-educado. Eu não deixei de ir ao supermercado, peguei avião, toquei minha vida. Logo que abriram os restaurantes, eu fui. Agora, eu abusei? Não. Simplesmente me cuidei.
Como foi voltar a tocar no palco? É uma sensação boa. Fiz recentemente uma live do Festival de Montreaux, com o Yamandu, no Rio de Janeiro. Fiz exame de Covid-19, mediram a febre. Todos os protocolos foram seguidos. As coisas ficam tranquilas se forem feitas assim. Felizmente, a vacina está chegando e espero que tudo volte ao normal o mais rápido possível.
Se o senhor fosse apontar um momento marcante em seus 55 anos de carreira, qual seria? Eu me coloco como um trabalhador da música brasileira. Estou sempre olhando para frente. Talvez eu seja o artista que mais goste de subir no palco, de cantar, de tocar, de viajar. Estudo violão todos os dias. Me aprimoro sempre. Eu vivo como se eu tivesse 45 ou 50 anos. Eu fiz uns 5.000 shows na vida. É difícil escolher um momento marcante. Eu não me preocupo muito com as coisas bem-sucedidas ou mal-sucedidas. Se não saiu bem hoje, amanhã sai melhor. Tenho facilidade para lidar com o sucesso e o não sucesso eventual. Quando acaba o show e todo mundo aplaude, quer dizer que aquilo ali já acabou. E outros bons momentos ainda virão.
Todo músico tem a sua Aquarela. Essa música não tem muita explicação porque ela é uma antimúsica.
Toquinho
Pensei que fosse falar de Aquarela… Todo músico tem a sua Aquarela. Essa música não tem muita explicação porque ela é uma antimúsica. É uma música grande, tem uma letra enorme, não tem refrão e fala de uma maneira fatalista que tudo vai acabar. Tudo vai se descolorir. O mundo vai acabar. E virou uma música infantil porque as crianças detectaram nela um começo lúdico. “Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo”… Mas, na segunda parte dela, ela fala da morte. Então é uma música que não tinha que fazer sucesso. E ela fez sucesso no mundo inteiro e em várias línguas que eu gravei. Ela tem 37 anos de vida e ainda hoje é tocada. Aquarela tem um carisma inexplicável para mim. Canções como essas ficam maiores do que seus compositores. Ela já não pertence a mim. É assim que é a vida. Você faz a música e a joga para o mundo, que nem um filho. E depois que está no mundo, a vida dele já não te pertence. São filhos que estão aí mundo afora e às vezes voltam para te ver.
O senhor é um dos mais famosos torcedores do Corinthians. Como avalia o seu time nesta temporada? Brinco que o Corinthians está em plena ascensão. Neste campeonato de três pontos, se você ganhar umas três partidas, você sobe rápido. É claro que lá no topo vão brigar o Flamengo, o Internacional e o Atlético Mineiro. Algumas surpresas podem vir. Seguramente o Flamengo tem um elenco fantástico, mas precisa tomar cuidado. Ele já tomou de 4 a 0 e tem uma vulnerabilidade lá atrás. Tirando esses expoentes, o nível do futebol brasileiro é muito baixo. O campeonato brasileiro é um horror. O próprio Corinthians está com um futebol aquém. Se você pegar o Vasco, o Botafogo, Coritiba e Atlético Paranaense, todos estão com um futebol mediano. O Fortaleza está com um futebol bonito de se ver, provavelmente não vai chegar lá em cima, mas o Rogério Ceni está fazendo um trabalho muito bom. O Palmeiras não deslancha nunca, fica só patinando. Foi o time que mais gastou dinheiro e que menos trouxe resultado. Acho que esse ano está perdido para o Corinthians, mas temos que levar em consideração que ele foi o time que mais ganhou títulos nos últimos dez anos.