Titãs: os bastidores da turnê histórica com a formação clássica da banda
Expurgar as dores dos vários 'divórcios' vividos ao longo da trajetória dos roqueiros foi essencial para festejar os quarenta anos do grupo
Há 22 anos, Nando Reis tem um sonho recorrente (ou seria um pesadelo?). “Eu sonho que estou saindo de novo da banda e tenho de reviver o momento mais difícil que foi contar para eles”, confessou o cantor em entrevista a VEJA, ao lado dos seis ex-colegas dos Titãs. Os amigos, que se conhecem desde a adolescência e hoje são sessentões bem resolvidos, se surpreendem com a revelação e riem em uníssono. Qualquer clima de tensão entre os integrantes do lendário grupo de rock brasileiro, ao que tudo indica, ficou no passado — e no subconsciente de alguns deles. “Esse resíduo existe, mas agora é irrelevante”, conclui Reis. Expurgar as dores dos vários “divórcios” vividos pela banda ao longo de quarenta anos de estrada foi essencial para a aguardada turnê Titãs Encontro, a primeira a reunir os sete remanescentes da formação clássica do grupo desde a saída de Arnaldo Antunes, o primeiro dissidente, em 1992. “Somos aquele casal que se separa, depois fica amigo e ainda volta a transar”, brinca o baterista Charles Gavin. O resultado dessa camaradagem poderá ser visto no show que abre a turnê especial na quinta-feira 27, na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro. No total, serão 21 apresentações em dezessete cidades do Brasil, e uma em Portugal, somando até agora 500 000 ingressos vendidos — um sucesso inesperado para a banda, mas que não surpreende o mercado fonográfico.
A vida até parece uma festa: A história completa dos Titãs
O interesse por shows ao vivo no país cresceu mais de 270% após a reclusão da pandemia. Antes dela, o elemento nostalgia já havia injetado um ânimo notável na indústria: da bem-sucedida turnê de Sandy & Junior em 2019 até a recente volta de dinossauros como o Kiss, o apelo por ver no palco uma formação clássica que não existe mais (em alguns casos, é suficiente a presença de alguns dos fundadores da banda), provavelmente pela última vez, se revelou infalível — além de uma bem-vinda fonte de renda para os envolvidos, que quase nunca faturam tanto em carreira-solo.
No caso do Titãs, será ainda um novo fôlego para uma banda que sobrevive contra todas as expectativas. Se a formação original de oito integrantes — sendo cinco deles vocalistas e sem uma liderança declarada — causou divergências compreensíveis ao longo do tempo, foi também essa variedade de vozes e personalidades que manteve a chama acesa até hoje — fora dessa turnê, quem segura a onda é o trio formado por Tony Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto. No caminho, os Titãs se despediram de quatro integrantes que optaram por projetos-solo — além de Antunes, Reis e Gavin, saiu também Paulo Miklos. Eles ainda sofreram juntos o luto da morte de Marcelo Fromer num atropelamento, em 2001. Na nova turnê, o guitarrista será representado pela filha Alice Fromer, que vai cantar duas canções, Toda Cor e Eu Não Vou Me Adaptar, essa última em dueto com Antunes. Voz mais peculiar do grupo, Antunes não embarcou de cara na ideia da reunião. “Confesso que relutei no início”, diz. “Tenho uma coisa reativa com shows nostálgicos de banda antiga. Mas fui convencido e agora sou o mais entusiasmado.”
Outro percalço dramático que acometeu a banda foi a saúde de Branco Mello. Em 2021, quando os Titãs já conversavam sobre a turnê comemorativa, o músico enfrentou a recidiva de um câncer na hipofaringe, que lhe custou uma corda vocal (o corpo humano possui duas delas, ainda bem). Segundo os médicos, Mello dificilmente voltaria a falar. Com muito esforço, ele voltou a cantar. “Descobri uma nova voz, mais rouca, mas com punch. Uma corda vocal está fazendo o trabalho de duas”, afirma. Mello vai entoar cinco das 31 faixas da setlist da turnê. Como sabem os fãs, o repertório do grupo é farto. Nos shows, vai se voltar para as canções clássicas. Isso inclui desde baladas incontornáveis como Epitáfio, faixa mais ouvida do grupo no streaming, até composições roqueiras indefectíveis como Polícia e Cabeça Dinossauro. “Nossas músicas são atemporais e fazem parte da vida afetiva de muitas pessoas”, diz Britto. O pulso dos Titãs ainda pulsa — e, com eles, o rock’n’roll, que se recusa a morrer, mesmo depois de ficar velho.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.