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Talento ‘plus size’, Lizzo é o maior sopro de novidade no pop atual

Com vozeirão rouco e corpo fora do padrão, a americana tem um estilo musical impossível de classificar

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h57 - Publicado em 6 dez 2019, 06h00

Em setembro de 2017, Melissa Jefferson, aspirante ao estrelato de 29 anos, ligou a seu produtor para informar: iria desistir da carreira. Estava cansada de dormir dentro de seu carro, cantar em troca de cervejas e sandubas e viver com míseros centavos de dólares no bolso. “Eu me sentia lançando minha música para o mundo, e não vinha nem uma marolinha de volta”, disse ela em uma entrevista. O seu mentor artístico então se deslocou até a casa da cantora e pediu a ela que ao menos esperasse o lançamento de um novo single, Truth Hurts, que sairia dali a alguns dias. O teste de paciência deu certo. A canção ficou por sete semanas no topo da parada americana e transformou Lizzo — nome artístico que adotou inspirada no hit Izzo, do rapper Jay-Z — numa promessa do pop. Dois anos depois de quase ter jogado a toalha, a promessa se revelou mais que acertada: recentemente, Lizzo foi uma das maiores atrações do festival Coachella, e o álbum Truth Hurts acaba de ser indicado a oito estatuetas do Grammy.

Nascida em Detroit, Lizzo deu seus primeiros passos artísticos em Houston, cidade para onde se mudou aos 13 anos. O auge desse período foi quando integrou o Chalice, um grupo pop que participou dos vocais de Boy Trouble, música lançada pelo cantor Prince no começo da década atual. Seis anos atrás, ela partiu para a carreira-solo, mas a repercussão dos dois álbuns que fez nessa fase foi pífia. O sucesso de Truth Hurts mudou a história — não apenas para Lizzo. Ela abriu alas para uma leva de artistas cujo estilo é a falta — ou excesso — de estilo. A juventude de hoje se pauta muito mais pelas playlists que faz nas plataformas de streaming que pelas rádios e pelos álbuns. Dinamitando classificações como “rock” ou “rap”, o Spotify oferece seleções de músicas como “Jantar com amigos”. Lizzo encarna o espírito sincrético dessa era: em suas canções, vai do soul ao hip-­hop sem grilos. É a mesma filosofia do rapper Little Nas X, que estourou fundindo rap com country, ou da cantora americana Billie Eilish e seu pop sem amarras. A mistureba tornou-se tão onipresente que a revista Time proclamou: “A definição de gênero está morta”.

As letras de Lizzo são escritas com sangue nos olhos. Canções como Soulmate, Truth Hurts e Crybaby referem-se a fatos que ocorreram com a cantora. “Versos como ‘para o carro aqui, gatinha’ foram inspirados nas minhas próprias experiências”, informa. O excesso de peso (84 quilos distribuídos por 1,78 metro), que a coloca a uma distância do padrão de cantoras como Rihanna e Beyoncé, já foi motivo de complexo, mas hoje é coisa superada. Uma das bandeiras de Lizzo é amar seu corpo do jeito que ele é. Ela se faz acompanhar pelas Big Grrrls, grupo de bailarinas com muitos quilinhos a mais, e virou modelo plus size. Mas a maior prova de sua aceitação está no filme As Golpistas (leia mais), no qual interpreta uma stripper ao lado da curvilínea Jennifer Lopez. Dona de um fã-clube fiel entre as homossexuais femininas (a quem chama de “lizzbians”), Lizzo tem opiniões fortes a respeito de sua opção sexual. “Não me sinto à vontade em me definir entre um gênero e outro. Essa coisa de ou preto ou branco não funciona para mim”, disse. Assim como Chacrinha, Lizzo veio para confundir.

Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664

 

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