Série ‘The Terror’: um mar de gelo feito no estúdio
No ar no AMC, episódios produzidos por Ridley Scott misturam expedição real que se perdeu no Ártico no século XIX com fantasia, bons efeitos e atuações
É fácil se perder no oceano de ofertas de coisas para ver na televisão — ou no computador, ou no celular. Nos Estados Unidos, há cerca de quinhentas séries no ar atualmente. Mesmo assim, distingue-se qualidade assim que se vê, como no caso de The Terror, no ar todas as segundas, às 22h30, no AMC – o mesmo de Mad Men, Breaking Bad e The Walking Dead, séries exibidas no Brasil em outros canais.
Baseada no best-seller de Dan Simmons, a série mescla um acontecimento histórico – a Expedição Franklin, que enviou os navios britânicos Terror e Erebus à procura de uma passagem no Ártico, em 1845 – com elementos sobrenaturais, como um monstro que aterroriza a tripulação. O destino dos navios era desconhecido até pouco tempo atrás. Os destroços do Erebus foram encontrados em 2014, e os do Terror, em 2016.
O seriado, escrito por David Kajganich (A Bigger Splash) e Soo Hugh (The Killing, Under the Dome) e produzido por Ridley Scott, se concentra na transformação dos personagens e nos relacionamentos, numa jornada de sobrevivência e desespero desenvolvida lentamente. Para isso, reúne um elenco de grife, com Jared Harris (Mad Men) no papel do Capitão Francis Crozier, comandante do Terror, Ciáran Hinds (Game of Thrones) como Sir John Franklin, chefe da expedição, e Tobias Menzies (que vai ser o próximo Príncipe Philip em The Crown) como o Capitão James Fitzjames, a bordo do Erebus.
“Os capitães eram os astros do rock da época”, diz Hugh a VEJA. “Embarcar nesses navios era como viajar para outro planeta.”
Esse outro planeta, incrivelmente, foi inteiramente construído em estúdio, em Budapeste, na Hungria. Os efeitos visuais são responsáveis por colocar os navios na água ou cercados de gelo por todos os lados. Por causa do elemento de fantasia, era preciso que todo o resto fosse muito preciso historicamente. “Nosso time passou um tempão tentando achar os rótulos exatos das latas de sopa”, contou Hugh. “Muita gente nem vai perceber, mas fez diferença na atmosfera. Por tudo ser tão correto historicamente, o elemento sobrenatural não parece tão maluco.”
A seguir, detalhes de como The Terror levou a Expedição Franklin para a telinha:
Design de produção
A produção contou com a ajuda do historiador Matthew Betts, que pesquisava a Expedição Franklin fazia mais de três anos quando foi contatado. “Temos muita informação sobre a aparência dos navios e como eles foram reconfigurados para esta viagem”, explicou Betts. “A vida na Marinha Real também é bem documentada, muitos artefatos foram recuperados. Mas nunca ninguém havia juntado tudo, então muito do nosso trabalho foi esse, de reunir as peças.” Apenas um navio foi construído, praticamente no tamanho original, sem contar os mastros, o que apresentou desafios à equipe. “Achavam que seria impossível filmar lá dentro se fosse no tamanho original, mas eu acreditava ser importante a precisão. O sentimento de claustrofobia era essencial”, disse Jonathan McKinstry, designer de produção.
“Para aliviar os problemas, fizemos o máximo de seções que se moviam para eles instalarem câmeras, equipamentos de som, iluminação.” A única concessão foi aumentar a altura dos compartimentos do navio em 10 centímetros. “As pessoas são mais altas hoje em dia. Assim os atores não ficavam batendo a cabeça”, afirmou McKinstry. Como apenas um navio foi construído, detalhes na decoração indicam se é o Erebus ou o Terror. “O Erebus tem uns detalhes de bronze e portas de correr de madeira polida, porque Franklin era mais chique. O capitão do Terror era um homem mais simples, então os móveis são mais básicos e há cortinas em vez de portas.”
Toda a estrutura foi montada sobre um mecanismo que se movia, balançando e inclinando o navio. “Houve resistência por causa de motivos práticos, porque era mais difícil filmar e haveria mais custos”, explicou o designer. “Mas eu disse que as pessoas se movem de modo diferente quando um navio inclina. Dá para inclinar a câmera, mas não é a mesma coisa.”
Figurinos
A figurinista Annie Symons pesquisou um bocado para criar os uniformes dos comandantes dos dois navios, as roupas mais simples dos subordinados e também as vestimentas de pele do povo inuit. “Tivemos de descrever o protocolo vitoriano, a exatidão e o simbolismo na Marinha da época. Não havia imagens claras da aparência desses homens, só informações.” Os figurinos foram feitos com contribuição do mundo todo: os ternos vieram da Polônia, as drágonas, do Paquistão, os tricôs, da Romênia. Muito material foi transportado do Canadá e transformado na Hungria, com os protótipos todos na Inglaterra.
Os tecidos eram borrados de acordo com a cena do dia. “Perguntávamos: É dia de sangue ou gelo? Aí, a roupa levava um spray de gelo. Ou de sangue. Foi uma experiência muito física para todos nós. Tínhamos uns 70 atores diariamente no set.” Também foi feita uma diferenciação entre os uniformes do Erebus, novos e cor de marfim, e do Terror, antigos e azul marinho. “É preciso ajudar o espectador”, explicou Symons.
Efeitos visuais
Viktor Muller e Frank Petzold tiveram apenas quatro meses para fazer 2 000 tomadas com efeitos visuais. “Tirando as cenas de diálogo dentro dos compartimentos internos do navio, tudo é efeito visual – e muitas vezes, imperceptível”, disse Petzold. Muller acrescenta: “E era tudo muito importante, porque, se algum espectador achar que fizemos tudo no estúdio, vai se distrair da história”. O que eles fizeram, dado o tempo e orçamento limitados, foi planejar tudo por um ano e tentar capturar na câmera o máximo possível para que o número de efeitos fosse minimizado.
“Mas muita coisa muda. Depois de alguns meses, tivemos de recomeçar, porque descobrimos que não teríamos um estúdio gigante para construir o navio inteiro, já que Budapeste estava lotada na época.” Eles viajaram duas vezes ao Polo Norte, uma no inverno, outra na primavera, e tiraram muitas fotos para servir de referência para a mudança dramática das estações e condições de luz naquela região – os tripulantes do Terror e do Erebus sobreviveram por muitos meses antes de perecerem. Toda a água e todo o gelo que aparecem nos dez episódios são efeitos especiais, já que não havia gota de um ou pedra do outro no estúdio.
Para criar o monstro, levaram em consideração o que ele tinha capacidade de fazer. Por exemplo, como chega a escalar o mastro de um dos navios, precisava de polegares opositores. Como é um ser mitológico, queriam que tivesse aspectos humanos, representados por seus olhos e dentes. Seu pelo foi testado para não ficar fofinho demais. “E ele é um horror que vai se desenrolando aos poucos, mostrado pedaço a pedaço”, disse Petzold.
Uma das poucas coisas rodadas fora foi quando alguns tripulantes puxam um bote no gelo – eles fizeram isso num terreno acidentado na Croácia para poderem ter as dificuldades que um estúdio não ofereceria. No mais, atuar cercado de tela verde por todos os lados não é tão difícil assim, pelo menos de acordo com Jared Harris. “Se você entender o que é a história, isso não incomoda”, disse. “Se você está olhando para o horizonte e compreende que é o último por do sol do ano por cinco ou seis meses, não importa para que está olhando.”