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“Ser artista é uma luta”, diz o fotógrafo-sensação francês JR

Conhecido por intervenções grandiosas em lugares estratégicos, ele desenvolveu uma relação especial com o Brasil – e aqui exibe a mostra 'O Papel da Mão'

Por Gabriela Caputo 18 abr 2023, 10h53

A pirâmide do Louvre, a Torre Eiffel, o muro na fronteira entre México e Estados Unidos, o Morro da Providência, no Rio de Janeiro, e uma praça na Ucrânia em meio à guerra: todos esses lugares têm em comum o fato de já terem recebido instalações artísticas do fotógrafo francês JR. Apesar de manter anônimo seu nome verdadeiro, o artista prefere expor seus trabalhos em ambientes públicos, ao ar livre. A escala gigante e uma paleta em preto e branco também são características dos projetos, cujas imagens costumam jogar luz sobre pessoas comuns, em uma prática multidisciplinar. Agora, JR recorre a um espaço mais contido para expor em São Paulo a mostra O Papel da Mão. Com entrada gratuita, as obras ficam dispostas até 20 de maio na Galeria Nara Roesler.

Obra exibida na mostra, na Galeria Nara Roesler
Obra exibida na mostra inédita (Nara Roesler/Divulgação)

A mostra se divide entre trabalhos inéditos, com colagens fotográficas, e obras emblemáticas de sua carreira. Nessa parte, fotos registram instalações marcantes como a Les Falaises, feita no Trocadéro, diante da Torre Eiffel, em 2021, e a intervenção realizada na Pirâmide do Louvre, em 2019. Já os novos trabalhos expostos na galeria, segundo JR, se inspiram nos primórdios da arte, com as pinturas rupestres – “os grafites originais”, em suas palavras – quando as mãos eram usadas como estêncil nas paredes das cavernas. “Cresci na periferia de Paris e comecei fazendo grafite. Era uma forma de dizer: ‘Eu estou aqui, eu existo’ dentro da cidade”, explicou o artista a VEJA. “As pinturas das épocas remotas me lembram do grafite, são feitas de uma maneira e em um contexto totalmente diferentes — mas não importa quando é feita, a arte nos ajuda a entender os significados que as pessoas queriam passar através dela”. A partir dessa perspectiva, JR criou colagens com a figura de sua própria mão e com olhos de pessoas ao redor de todo o mundo. Confira a entrevista completa:

Você já esteve no Brasil algumas vezes e construiu um projeto social no Morro da Providência no Rio de Janeiro, a Casa Amarela. O que o atrai no país? Estive aqui primeiro em 2005 e depois em 2008, quando fiz uma instalação artística [parte do projeto Women are Heroes] no Morro da Providência, e fui tão bem recebido pela comunidade. Foi assim que comecei a Casa Amarela no ano seguinte, em 2009. O que começou como um projeto visual e efêmero, que desapareceu, acabou permanecendo e tendo um impacto real. Sempre tive uma relação especial com o Brasil, e neste ano fui pela primeira vez para a Amazônia, onde pude conhecer uma comunidade indígena. Mas quero saber mais, entender mais, e quem sabe criar algo com eles, se um dia me permitirem, ou se eu puder ajudar de alguma forma. Sendo de fora, você realmente não entende o que é a Amazônia, sua grandiosidade. Aprendi muito, mas ainda sei muito pouco.

Como enxerga o impacto do projeto Casa Amarela ao longo dos anos? O impacto tem sido incrível. A escola dobrou de tamanho desde que começamos, agora recebemos mais de 100 alunos todos os dias, entre crianças e adultos. Recebemos visitas de artistas de todo o mundo para ensinar, e de personalidades como Madonna, Sacha Baron Cohen e Lewis Hamilton. Temos um time de professores e oferecemos todo tipo de aula: culinária, dança, inglês e francês. Quando comecei, aos 20 e poucos anos, nunca imaginei que a escola continuaria crescendo e que esta seria uma jornada tão incrível. É um presente também, porque a gente aprende e cresce conforme vai tocando o projeto. Me ensinou muito.

Você esteve na Ucrânia e realizou uma projeto no princípio da atual guerra. Como foi a experiência? Fui para lá logo depois que a guerra começou. Dirigimos de Paris até a Polônia, cruzamos a fronteira e nos levaram até a maior cidade do lado oeste da Ucrânia, Lviv. Naquela altura eu não sabia se a arte era necessária ou se poderia ajudar de alguma forma em um momento de guerra. E foram as pessoas de lá que me lembraram que sim. Depois acabamos imprimindo em escala gigante a foto de uma menina de 5 anos chamada Valeriia, que agora está refugiada na Polônia. A imagem foi capturada por um fotógrafo da região, e contamos com a ajuda de locais para a instalação. Eles marcharam para a cidade, que estava praticamente deserta, já que havia sirenes por toda parte. Eu não estava lá, mas imaginá-los enfrentando riscos para abrir aquela imagem, que mostraria aos aviões russos que, abaixo dos bombardeiros, também há crianças — me provou a importância da arte.

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O aspecto social é muito importante em sua arte. O que despertou o interesse de dar visibilidade a quem nem sempre é percebido? Eu cresci na periferia de Paris e não tinha muito conhecimento sobre arte ou de que existia o trabalho de ser artista. Isso me deu liberdade. Comecei com grafite, e as pessoas chamavam de vandalismo, depois descobri a fotografia e a colagem, e ainda chamavam de vandalismo. Nunca imaginei que haveria alguma galeria no meu futuro, então apenas exibia livremente pelas ruas — como ainda faço hoje para as pessoas verem. Assim pude perceber o poder da arte e de quebrar todos os limites em torno dela. É por causa de onde eu vim que criei essa abordagem e consegui mantê-la, e isso se tornou o DNA do trabalho que faço hoje.

Hoje, o que a arte significa para você? A arte é sobre levantar perguntas, e não necessariamente dar respostas. Em todos os projetos que fiz e em todos os lugares que estive, como no Brasil, descobri que meu trabalho é dar voz às pessoas e levantar questões, mas nunca dizer que devemos mudar algo ou que tal coisa deve ser feita. Quero dizer, quem sou eu para dizer isso? Como artista, você anda na zona cinzenta, tenta coisas e pode falhar, e isso faz parte. Mas se der certo, como o projeto na Providência, você vê o impacto que a arte pode ter. Em diferentes lugares e contextos, sempre tento reproduzir o mesmo: unir as pessoas e jogar luz sobre elas, não importa se são pessoas esquecidas ou não. Independente de onde ou quando no mundo, as pessoas têm voz e querem compartilhá-la e, às vezes, a arte é uma ótima maneira de fazer isso. 

A maior parte do seu trabalho é feita apenas com papel e cola, nas ruas. Como analisa o poder dessa forma de arte, que costuma ser rotulada como de menor valor? Há uma beleza em algo que está lá fora e que você não pode possuir, porque é efêmero. Acho que tem muito mais valor porque é tão visível e ao mesmo tempo ninguém pode ser dono daquilo. É para todos. Não gosto de chamar de arte de rua porque é apenas arte. Pode estar em uma galeria ou do lado de fora, é arte do mesmo jeito.

Registro da intervenção realizada na Pirâmide do Louvre, em Paris, em 2019
Registro da intervenção realizada na Pirâmide do Louvre, em Paris, em 2019 (Nara Roesler/Divulgação)

Como enxerga o papel das redes sociais em tornar a arte mais acessível? Sempre usei as redes sociais de maneira cuidadosa, mais como forma de transmitir a mensagem por trás das histórias, mas sempre me certificando de que isso levaria as pessoas ao local das instalações. Quando instalei a imagem da criança olhando por cima do muro na fronteira entre Estados Unidos e México, certifiquei-me de que este era um local onde as pessoas iriam lá fisicamente. Acredito que podemos mudar o mundo se mudarmos a percepção que temos dele – e fazer com que as pessoas saiam da sua zona de conforto e vão até lá ver com seus próprios olhos, já é um grande passo em direção a isso.

Você esteve em outros países onde, assim como ocorreu no Brasil recentemente, está em curso certo desmonte da cultura pelos governos. Quais os perigos disso? Acho que os governos sabem que a cultura tem um impacto muito poderoso e que isso pode ter uma reação negativa sobre eles. E é por isso que eles desvalorizam e tem medo da arte, que pode conscientizar as pessoas e dar a elas um olhar diferente sobre uma situação. Infelizmente, isso está acontecendo em muitos lugares no mundo, mas felizmente em nossos tempos existem maneiras de compartilhar arte e mantê-la viva, não importa o que aconteça.

Qual o papel do artista nesse contexto? Escolher ser artista é uma luta constante, você tem de questionar continuamente — às vezes coisas mais íntimas, outras vezes, temas muito públicos. Há essa responsabilidade. É por isso também que tento manter meu trabalho o mais puro possível, não tendo marcas como a Coca-Cola patrocinando um projeto, por exemplo. Para mim, isso desvaloriza a mensagem das pessoas que estou retratando.

Em 2017, você trabalhou com a cineasta Agnés Varda (1928-2019) no documentário Visages, villages, que concorreu ao Oscar. Como foi colaborar com uma figura icônica como ela? Eu aprendi muito com Agnés e muito disso ainda está se processando para mim hoje. Com o passar dos anos vou entendendo cada vez mais, e mesmo que ela não esteja lá, acho que ainda posso ouvir a voz dela.

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