Realidade e fantasia: a despedida de Mario Vargas Llosa
O escritor morreu em 13 de abril, aos 89 anos, em Lima

Como a realidade não bastava, foi preciso acrescentar um pouco de fantasia para fazer germinar um dos mais interessantes movimentos literários do século XX — o boom latino-americano, a partir de 1967, de autores como o argentino Julio Cortázar, o mexicano Carlos Fuentes, o colombiano Gabriel García Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa. A história de um pedaço do mundo nunca mais seria a mesma, costurada de memórias, de riso e choro, do provável e do inverossímil, o que resulta igual. Llosa fazia das dores de amores, do seu cotidiano, do espanto com a pobreza ao redor e de ridículos tiranos combustível para uma coleção de obras-primas, a exemplo de A Cidade e os Cachorros, de 1963, romance de formação em torno de um colégio militar de Lima, Conversa na Catedral, Tia Julia e o Escrevinhador, Pantaleão e as Visitadoras, A Guerra do Fim do Mundo e A Festa do Bode. Em 2010, ao lhe conceder o Nobel, a Academia Sueca resumiu a relevância indizível da vasta obra: “uma cartografia das estruturas do poder e suas imagens vigorosas sobre resistência, revolta e derrota individual”.
Para Llosa, embebido da prosa de William Faulkner, que o inspirava, a humanidade sem literatura seria incivilizada, embora sempre tratasse com ironia o ofício que escolhera, depois de ter iniciado nas letras como jornalista. “Os personagens de um romance não são reais. Os personagens da vida real são de carne e osso, os personagens do romance são feitos de palavras, duram apenas enquanto durar a leitura do livro. Antes e depois deixam de existir”, disse certa vez. Traduzido para mais de trinta idiomas — ele mesmo foi exímio tradutor —, Llosa ajudou uma geração de jovens a experimentar a leitura.
Depois de tanta invenção, houve um momento em que decidiu voltar ao chão do cotidiano e ingressou na política. Em 1990, candidatou-se à Presidência do Peru com uma pauta conservadora, no avesso das ideias da juventude, de apoio a Fidel Castro e Cuba. Derrotado — mas sem nunca abandonar a máquina de escrever —, dedicou-se a ideias que incomodavam parte de seus leitores. A VEJA, em 2020, durante a pandemia, sugeriu má-fé dos chineses: “Cedo ou tarde será preciso investigar qual papel a China desempenhou nesse contexto. Um dia as pessoas vão saber o que se passou em Wuhan”. Chegou a dizer que “o feminismo é o maior inimigo da literatura”. Apoiou Bolsonaro, embora tenha criticado Donald Trump, já em sua primeira eleição. Instado a comentar a incursão no mundo do poder, ele foi claro: “Digamos que a política foi como procurar um tipo de fantasia diferente”. Vargas Llosa morreu em 13 de abril, aos 89 anos, em Lima.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940