Quem foi Juan de Pareja, o ex-escravo que virou artista celebrado no Met
Eternizado no célebre retrato de Diego Velázquez, o pintor ganha mostra que expõe o trabalho de cativos nos ateliês
Em 1971, o Museu Metropolitano de Arte (Met) de Nova York desembolsou 5,5 milhões de dólares por uma das obras mais célebres do pintor Diego Velázquez (1599-1660): o retrato de Juan de Pareja (1608-1670), tido como o quadro que alçou o espanhol ao patamar dos grandes artistas barrocos. A aquisição foi notícia nos jornais da época, mas pouco se falava sobre o homem retratado na pintura. Agora, mais de cinquenta anos depois, o modelo da obra, enfim, assume o protagonismo no mesmo museu: em cartaz até 16 de julho, a mostra Juan de Pareja, Pintor Afro-Hispânico celebra a vida e a obra do ex-escravo que ousou perseguir uma carreira artística — e, liberto, despontou como um nome respeitado do século XVII.
Juan de Pareja: Afro-Hispanic Painter in the Age of Velazquez
Nascido em Antequera, em Málaga, a origem de Pareja é nebulosa — provavelmente era filho de uma mulher escravizada e de um espanhol branco. Não se sabe também como se tornou propriedade de Velázquez — ele pode ter sido herdado ou comprado, e até ofertado como presente. A certeza, porém, é que seu caso não era exceção no meio. “Juan de Pareja é o exemplo mais bem documentado desse tipo de trabalho escravizado em oficinas, que se estende por toda a história da pintura e da escultura”, explica o curador David Pullins.
Os primeiros casos remontam ao período medieval e incluem o escultor Jaume Cascalls e o pintor Lluís Borrassà no século XIV, que escravizaram, respectivamente, homens de origem grega e tártara. À medida que o tráfico negreiro se intensificou na África ocidental, a partir do século XVI, o número de cativos nas oficinas de artistas e artesãos europeus cresceu. Montañés, o escultor de maior sucesso de Sevilha no século XVII, apelidado de “deus da madeira”, também usou trabalho escravo para aumentar a produtividade. “Era algo comum naquela época. Mas, na maioria das vezes, não sabemos nem o nome dessas pessoas”, explica a também curadora Vanessa K. Valdés.
Além do status de propriedade, que por si só já relegava os homens às sombras, o anonimato da maioria deles tem outra explicação prática: via de regra, essas pessoas eram incumbidas de funções mecanizadas como a preparação de telas e a limpeza de pincéis, sem grandes chances de se aprofundar artisticamente e ganhar reconhecimento. Era o caso de Pareja. Velázquez nunca permitiu que ele se ocupasse com pinturas ou desenhos, ficando encarregado de “polir cores, preparar telas e outras ministrações à sua arte e ao lar”, relatou o pintor e biógrafo do artista, Antonio Palomino. O aspirante a artista, portanto, se desenvolveu como pintor à revelia de seu dono. Talvez por isso, mesmo imerso no ateliê do pintor, investiu em um estilo distinto. “Ele é muito diferente de Velázquez. Pareja é inspirado pelo renascimento veneziano e pela pintura flamenga”, explica Pullins.
Assim como há dúvidas sobre a origem do artista, informações sobre sua libertação também não são unanimidade: em 1649, Pareja viajou para a Itália com Velázquez, onde foi pintado seu retrato célebre. Com a repercussão da obra, Pareja e suas pinturas ganharam notoriedade. Palomino relata que o rei Filipe IV da Espanha teria ficado impressionado com uma obra de Pareja e intercedeu por sua alforria declarando que: “Um homem com tal talento não poderia ser um escravo”.
Velázquez, então, teria assinado sua libertação, que passaria a valer quatro anos depois. Mas o documento não tem menções ao monarca. “É difícil saber qual foi a motivação da alforria, mas isso permitiu que Pareja atuasse como pintor no fim da vida”, diz Pullins. Foi uma verdadeira libertação artística, que ganha agora o devido reparo histórico.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840
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