Priscilla, ex-estrela gospel: ‘Vi a religião me afastar das pessoas’
A cantora e ex-apresentadora infantil conta por que, aos 27 anos, trocou o gospel pelo pop — e tornou-se crítica das igrejas evangélicas
O que a fez cortar laços com a doutrina evangélica, abandonar o sobrenome com que era conhecida (Alcântara) e investir em singles “mundanos”, como Quer Dançar? O fundamentalismo rejeita todo tipo de diversidade. Conforme fui me tornando mais compreensiva e parceira de outras narrativas, amadureci minha fé. Ela continua no centro da minha vida, mas agora é autônoma. Não dependo da imposição de alguém e me afastei de tudo que é doutrina. Sempre fui curiosa: o cristianismo não é sobre formar repetidores, mas pensadores que buscam uma crença inteligente e racional.
Como se guiou nesse processo? Por muito tempo, vi a religião me distanciar das pessoas e apartá-las desse Deus que amo. Quando comecei a raciocinar, compreendi que a espiritualidade só é útil se, ao contrário, me aproximar dos outros.
Muitos evangélicos atacam sua transição para o pop e pedem a volta ao gospel. O que tem a dizer para essas pessoas? É engraçado que supliquem agora, sendo que já não gostavam de mim antes. Só pode ser um amor não revelado, ou um ato de quase masoquismo. Atitudes assim existem porque as pessoas não buscam mais consumir algo que lhes agrade, e, sim, aquilo que pode ser criticado. É uma forma doentia de se viver digitalmente — só querem encher o saco.
Alguns críticos a comparam a colegas que falam de sexo, como Luísa Sonza e Anitta. O que pensa de paralelos assim? Somos pessoas diferentes, mas conectadas por comentários machistas como esses — que nenhum homem da indústria musical recebe. Cada uma de nós representa uma mulher livre e empoderada que se porta como quer, faz sua arte como quer e usa de seu corpo como quer. Se fazem essa comparação a fim de me ofender, o tiro sai pela culatra — me sinto honrada.
Cantoras com seu perfil costumam atrair fãs LGBTQIA+, mas, nesse público, há quem ainda desconfie do seu passado gospel. Como lida com isso? É compreensível. O fanatismo machuca muita gente. Ele tentou formar ideias na minha cabeça, mas, graças a Deus, percebi que gays não vão para o inferno por serem gays. Se falasse isso na minha carreira gospel, seria hostilizada e perderia trabalhos. Me sentia muito sozinha. Ao crescer na vida pessoal e profissional, vi que não precisava mais ser refém dessa pressão. O convívio com pessoas LGBTQIA+ foi uma ótima ferramenta para me desligar do fundamentalismo. Agora, cabe a mim sempre me posicionar como aliada. É o tempo que constrói confiança em uma relação.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870