Paula Hawkins de ‘A Garota no Trem’: ‘Histórias românticas não são a minha praia’
Escritora britânica fala sobre seu processo criativo, o gosto por tramas sombrias e seu novo livro, o thriller 'A Hora Azul'
Antes de vender mais de 23 milhões de cópias de seus livros mundialmente, a escritora Paula Hawkins passou por percalços para encontrar seu lugar no mercado literário. Nascida no Zimbábue há 52 anos, Paula se mudou para a Inglaterra na juventude para estudar na Universidade de Oxford e acabou se instalando no país, onde vive até hoje. Trabalhou como jornalista financeira em Londres e escreveu vários livros românticos sob um pseudônimo, mas foi apenas quando lançou seu primeiro thriller psicológico, A Garota no Trem (2015), que sua popularidade disparou. Desde então, escreveu mais três livros, incluindo A Hora Azul, que acaba de chegar às livrarias brasileiras editado pela HarperCollins. Em entrevista a VEJA, a autora falou sobre seu gosto por histórias sombrias, seu processo criativo e mais. Confira os principais trechos:
No início da sua carreira, você publicou quatro livros de romance sob o pseudônimo de Amy Silver. O que a levou a mudar o gênero das suas histórias para thrillers psicológicos e ficção policial? Eu comecei a escrever livros de romance de uma forma bem incomum. A ideia não partiu de mim, eu fui abordada por uma editora que queria publicar comédias românticas. Eles já tinham uma personagem principal e uma estrutura para a história, e me contrataram para escrever o livro completo, quase como uma escritora-fantasma. Escrevi quatro livros nesse esquema, mas nunca me senti confortável. Histórias românticas não são a minha praia, não é o tipo de livro que eu leio. O quarto livro de romance que publiquei não vendeu cópia alguma, e estava bem claro que aquele não era o gênero certo para mim. Minhas histórias estavam ficando cada vez mais sombrias, coisas terríveis aconteciam com meus personagens. Então decidi tentar algo diferente.
E o que despertou seu interesse nesse gênero de histórias mais sombrias? Eu adorava Agatha Christie quando era criança. Gostava de romances que tinham temas bem sombrios, não necessariamente romances policiais, mas romances sobre guerra, por exemplo. Acho que essas histórias são mais envolventes e dramáticas, há mais complexidade nelas. Quando escrevo, fico muito interessada em retratar a maneira como as pessoas respondem a situações extremas, ao trauma e ao medo. Nada terrível aconteceu comigo no passado que me fez gostar dessas histórias, elas apenas chamaram minha atenção.
Nos últimos anos, houve um aumento no interesse do público em histórias de crimes reais. Qual sua opinião sobre o gênero true crime, como escritora de thrillers ficcionais? Tenho uma relação um pouco ambígua com o gênero, eu diria. Há alguns livros de true crime que eu realmente admiro. Eu li A Sangue Frio, do Truman Capote, quando eu tinha 20 anos, e achei extraordinário. A história realmente ficou comigo. Hoje em dia, eu não leio muito sobre crimes reais, mas vi algumas coisas do gênero na televisão. Fico muito desconfortável quando os parentes das vítimas ainda estão vivos para assistir a esses programas, me parece algo bastante explorador. Dito isso, tenho certeza de que há algumas obras de true crime que são realmente bem feitas. Fazer filmes ou escrever sobre pessoas reais que sofreram violência requer muita cautela, na minha opinião.
Sua carreira decolou em 2015 com o lançamento de A Garota no Trem. O livro chegou ao topo da lista de mais vendidos do New York Times na primeira semana de lançamento. Pode falar um pouco sobre essa experiência? Foi extraordinário. Eu nunca imaginei que o livro seria tão popular quanto foi. Eu estava otimista porque meus editores estavam otimistas, mas obviamente, a popularidade do livro superou todas as nossas expectativas. E embora tenha sido uma experiência fantástica, ela também foi bastante avassaladora, porque de repente eu me tornei o centro das atenções – algo com que nós, escritores, geralmente não estamos acostumados. Foi bem difícil por um tempo.
E como você se sente em relação a isso agora, quase 10 anos depois? Agora que há certa distância, consigo lembrar dessa época com mais carinho. O sucesso do livro abriu muitas portas para mim: fui convidada para festivais em todo o mundo e julguei alguns prêmios literários. No geral, foi uma experiência muito positiva e me sinto grata.
A Garota no Trem também virou filme. O que você acha dessa produção? Gosto muito do filme. Ele foi bastante criticado na época, principalmente pelos leitores, que não gostaram que o cenário da história mudou de Londres para os Estados Unidos. Mas eu amei o filme. Eles fizeram um ótimo trabalho, permaneceram fiéis à escuridão que permeia o livro. E eu achei que as performances, particularmente a de Emily Blunt, foram ótimas.
Em seu novo livro, A Hora Azul, o processo por trás das obras de arte da protagonista, Vanessa, é um tema recorrente. Como é o seu próprio processo criativo? Levo muito tempo para decidir o que vou escrever. Tenho muitas ideias, mas nunca sei em qual delas devo me concentrar. Comecei a pensar na história de A Hora Azul anos atrás, e então passei muito tempo desenvolvendo a ilha em que a trama se passa e os personagens que viveriam nela. Então, de certa forma, sou semelhante à Vanessa, embora eu ache que há grandes diferenças entre o que um artista visual faz e o que os escritores fazem. Escritores frequentemente são chamados para explicar seus trabalhos, enquanto artistas visuais terminam suas peças e elas ficam abertas à interpretação. Acho que invejo isso, um pouco. Mas há fortes paralelos entre os dois trabalhos, e foi muito interessante imaginar o dia a dia de uma artista visual para escrever sobre isso. Eu não tenho esse tipo de habilidade artística, não sei desenhar ou pintar, e o aspecto físico dessas atividades é muito diferente do que o da escrita, que só exige que eu sente em uma mesa e digite no meu computador.
A história de A Hora Azul é contada sob a perspectiva de vários narradores. Por que decidiu estruturar o livro dessa forma? Não consigo contar uma história sob um único ponto de vista, é a maneira como minha mente funciona. Gosto de pensar em como diferentes personagens interpretam um mesmo incidente. Minhas histórias falam muito sobre como a percepção dos fatos é algo subjetivo. Então, para mim, faz sentido olhar para essas tramas de muitas perspectivas diferentes.
A violência enfrentada por mulheres é um tema comum das suas histórias. Por que você acha importante falar sobre isso? Minhas protagonistas tendem a ser mulheres, porque estou interessada em analisar a vida das mulheres e a maneira como elas são julgadas, especialmente mulheres que não se encaixam muito bem na sociedade. E como eu escrevo romances policiais sobre mulheres, é inevitável que eu, em algum momento, olhe para a violência que as mulheres enfrentam. E escrevo sobre mulheres em espaços domésticos, em suas casas ou no trabalho. Minhas personagens não são policiais ou criminosas, elas são pessoas comuns. E a realidade é que, quando as mulheres sofrem violência, isso geralmente acontece em ambientes domésticos. Geralmente é nas mãos de alguém que elas conhecem. Então falar sobre esse tipo de violência que acontece em famílias ou em relacionamentos é uma progressão natural para mim.
Acha que, hoje, a representação feminina na literatura é melhor do que era há alguns anos atrás? Sim, definitivamente. Quando se trata de ficção policial, as mulheres sempre foram bem representadas – na Inglaterra, pelo menos, e nos Estados Unidos, que eu saiba. Autoras como Agatha Christie, Ruth Rendell e Patricia Highsmith sempre dominaram grande parte do mercado. Mas sempre há espaço para progresso. Há outros tipos de vozes que deveríamos ouvir. No Reino Unido, há poucos autores de destaque que vêm da classe trabalhadora ou de outras culturas. Não lemos muitos livros estrangeiros por aqui. Então ainda há muitas coisas que poderíamos melhorar.
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