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Para além de ‘E o Vento Levou’, outros filmes acusados de racismo

Figura do ‘salvador branco’ e de tramas históricas pela ótica da época engrossam discussão sobre o preconceito em Hollywood

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 jun 2020, 12h49 - Publicado em 15 jun 2020, 13h04

Em 2019, Green Book: O Guia venceu o Oscar de melhor filme. Na plateia, caras e bocas de artistas negros demonstravam certa insatisfação com a escolha do maior prêmio do cinema. Na trama, inspirada em uma história real, um músico negro (Mahershala Ali) contrata um homem branco e bruto da comunidade italiana (Viggo Mortensen) para ser seu motorista e braço-direito em uma turnê pelo meio-oeste e sul dos Estados Unidos, na década de 1960. O motorista é racista, mas precisa de emprego. O músico se incomoda com os modos grosseiros do novo empregado, mas o aceita pois sabe que precisará de um tipo assim para enfrentar o segregado sul americano, em que negros ainda vivem como escravos e não podem, por exemplo, comer no mesmo restaurante que brancos. Na jornada, os dois se entendem, viram amigos inseparáveis, e o bruto italiano tira o exótico músico de diversos problemas causados pela cor de sua pele. Num olhar por cima, pessoas brancas podem achar estranho que o filme tenha sido refutado pela comunidade negra. Mas um segundo olhar evidencia a figura frequente do racismo estrutural: o white savior (salvador branco, em português).

Após o clássico …E o Vento Levou ter sido retirado do catálogo do canal de streaming HBO Max nos Estados Unidos, por apresentar escravos passivos e acomodados na relação sinhá e servos, não só filmes históricos, mas muitos recentes se viram parte da controvérsia que se mostra distante de ter fim.

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Enquanto Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) saia do streaming – com a promessa de voltar, mas com avisos contextualizando a obra —, o filme Histórias Cruzadas (2011) crescia em audiência na Netflix americana. Na trama, ambientada na década de 1960, mulheres negras trabalham como empregadas e são maltratadas por suas chefes brancas: algumas delas amparadas por antigos hábitos escravagistas, como proibir que uma funcionária mude de emprego, para mantê-la sob condições precárias de trabalho. Até a protagonista (vivida por Emma Stone) intervir para jogar luz sobre a força destas mulheres que passavam por tantos preconceitos. Com a nova popularidade, atores do filme foram às redes sociais sugerir que o público procure outros títulos melhores para aprender sobre racismo. O motivo? A heroína da história é a perfeita encarnação da salvadora branca. O filme é inspirado no livro de uma mulher branca, e dirigido por um homem branco. Outra antiga polêmica de Hollywood. Se todas as histórias são contadas por brancos, como fica a visão dos demais?

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Cena de ‘Histórias Cruzadas’: mulheres brancas em destaque em filme sobre empregadas negras ainda sob a sombra da escravidão (Dreamworks/Divulgação/VEJA)
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A controvérsia que parece recente já acontece há um tempo no universo infantil. A Disney e sua plataforma de streaming, disponível nos Estados Unidos, Disney +, colocou avisos antes de algumas produções, dizendo: “Este programa é apresentado da maneira como foi criado. Pode conter representações culturais arcaicas”. A frase aparece antes da animação Dumbo (1941). No desenho do elefantinho de orelhas grandes um grupo de corvos encarna estereótipos de negros abobalhados e malandros. O pior: o líder deles se chama Jim Crow, nome dado às leis segregacionistas americanas nos anos 1960, e apelido preconceituoso para afrodescendentes.

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Dumbo (1943): Corvos com vestes e hábitos estereotipados da visão branca sobre os negros (//Divulgação)

Já a animação híbrida A Canção do Sul (1946), outro clássico da Disney, é um título que o estúdio tenta apagar de sua história: ele não entrou no amplo catálogo da plataforma de streaming, nem existe para ser comprado em DVD. Aqui o caso é bem parecido com …E o Vento Levou. Na trama infantil, que mescla atores e animação, um antigo escravo (James Baskett, que ganhou um Oscar honorário pelo papel) fala com saudosismo sobre o passado para duas crianças brancas. Na narrativa, a escravidão é apresentada como algo nostálgico e sem sofrimentos. Quando o Disney + foi criado, surgiu uma petição online criada por pessoas que defendem o filme, porém, ela não alcançou a meta de 7.500 assinaturas – e nem fez cócegas no dedo do pé de Mickey Mouse.

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A Canção do Sul (1946): Disney baniu filme por visão deturpada da escravidão (//Divulgação)

É longa a discussão sobre Hollywood e racismo. E seu caso mais emblemático pode dizer muito sobre o futuro da indústria. Em 1915, D.W. Griffith foi aclamado pela extravagância cinematográfica O Nascimento de Uma Nação. Exibido e aplaudido dentro da Casa Branca, o filme é deplorável e um exemplar da origem do racismo americano. Estereotipados, abobalhados e violentos, negros (interpretados por brancos com o rosto pintados) são representados como o problema que atrapalha a “gente do bem” americana. Do lado dos heróis estão os membros do Ku Klux Klan – grupo supremacista branco, hoje tratado pelo nome correto: terroristas. Encontrar O Nascimento de Uma Nação para assistir é mais fácil do que A Canção do Sul: está disponível em videotecas de universidades ou disponível para aluguel na internet. Banir para sempre de todos os lugares O Nascimento de Uma Nação, infelizmente, não apagaria a história na qual ele foi inspirado. O mesmo vale para …E o Vento Levou. A atual discussão, porém, é válida: a arte é representativa de seu tempo, e observá-la demanda olhos críticos de uma sociedade que evoluiu – ou assim se espera.

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