Os lançamentos ousados que mostram ‘lado B’ da literatura japonesa
Terror e suspense voltam com tudo em lançamento de grandes editoras após boom da ficção de cura

No universo dos mangás japoneses, muito bem representado por nomes como Junji Ito e Satoshi Kon, o terror e o grotesco são muito comuns e até apelativos imageticamente. Na literatura comercial, porém, a visão é outra. Associada à ficção de cura, livros japoneses fizeram boas vendas com histórias que marcam uma transição entre uma vida atribulada, sem sentido ou dramática para uma vida simples mas repleta de nobres propósitos. Como marcas desse sucesso, estão os livros da série Antes que o Café Esfrie, de Toshikazu Kawaguchi, Meus Dias na Livraria Morisaki, de Satoshi Yagisawa e A Biblioteca dos Sonhos Secretos, de Michiko Aoyama – que têm em comum, além do apelo comercial, cenários tranquilizantes como bibliotecas, cafés e livrarias e personagens em busca de renovação em suas vidas.
Os temas reconfortantes chegam a flertar levemente com a autoajuda, que também tem seu representante japonês: A Coragem de Não Agradar (Sextante, 2018), do filósofo Ichiro Kishimi e o autor e entusiasta da psicologia Fumitake Koga, que já vendeu 3 milhões de exemplares.

Após lançamentos regulares de livros considerados terapêuticos, a literatura japonesa de ficção em 2025 chega às livrarias brasileiras com uma outra proposta. Nos catálogos mais recentes de grandes editoras, é possível encontrar lançamentos como o romance policial Os Gritos, de Tokuro Nukui, lançado originalmente em 1993 e inédito no Brasil, trazido pela editora Rocco.
Nele, a narrativa se divide entre a história de um detetive de polícia, conhecido e promovido por sua competência, e um homem afastado de sua ocupação por problemas psicológicos relacionados ao luto. O detetive, ocupado e pressionado por um caso complexo envolvendo sequestro e morte de crianças pequenas, divide as páginas com o homem misterioso, cuja trajetória vai se cruzar com a de uma religião suspeita. A narrativa explora ao mesmo tempo e de forma entrelaçada o medo do oculto, representado pela seita, e o medo do brutal, representado pelos crimes. “A literatura asiática vai muito além da ficção de cura. Thrillers com muitas camadas, dramáticos ou irônicos, que refletem a realidade de seus países hoje ou ontem. Em Os Gritos, o luto encontra escape no fanatismo religioso, costurando uma crítica social interessante”, diz Ana Lima, editora-executiva da Rocco.

Isso sem falar em um dos lançamentos mais enigmáticos de 2025: Casas Estranhas, do japonês Uketsu, cuja marca é o rosto coberto por uma máscara branca de papel machê. Escondido pela barreira artesanal, Uketsu transformou em livro uma história de mistério que havia contado em seu canal no Youtube, onde também era anônimo. No enredo, um especialista em ocultismo e um arquiteto tentam descobrir os segredos escondidos em uma casa repleta de cômodos suspeitos. No Brasil, o mistério intrigante foi publicado pela Intrínseca, alcançando a marca de mais de 40 000 cópias vendidas e já tem uma sequência recém-chegada ao mercado: Casas Estranhas 2: O mistério das onze plantas baixas, que dá continuidade às descobertas macabras do primeiro volume. “O horror é um gênero já bastante consagrado no cinema japonês e nos pareceu natural que ele também encontrasse fãs na literatura”, afirma Marina Genefra, editora de aquisições da Intrínseca, questionada sobre o interesse em publicar as obras de Uketsu.
Enquanto isso, a editora Todavia se prepara para lançar O Expresso de Tóquio, um clássico da literatura policial japonesa do século 20, escrito pelo mestre da ficção policial Seichō Matsumoto. Em um mistério envolvente, o detetive Torigai vai se deparar com dois corpos sem vida na margem de uma praia na ilha de Kyushu e será levado a acreditar que se trata de um caso de suicídio duplo, mas uma pista importante — o horário de um trem expresso — lhe dará a certeza de que nem tudo é o que parece. Primeiro livro do autor publicado no Brasil, seu mistério se encaixa nos atos do cotidiano, tornando tudo mais real e assustador em um Japão pós-guerra, quando o país entra um movimento de reconstrução e transformação velozes.
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