Os humilhados são exaltados no filme de Edir Macedo
Pela fé, dono da Record enfrenta a polícia, os políticos, a Igreja Católica e até Silvio Santos na cinebiografia 'Nada a Perder – Contra Tudo. Por Todos'
“Deus está conosco” e outras variações como “Deus não vai nos desamparar” são frases constantes no filme Nada a Perder – Contra Tudo. Por Todos, que narra com contornos heroicos a vida e obra de Edir Macedo, bispo da igreja Universal e dono da Rede Record. Feita sob as asas de seu biografado, a produção defende a ascensão do garoto que sofria bullying, por conviver com atrofia em uma das mãos, a juventude com pouco dinheiro (mas muita fé), até o momento em que se torna a cabeça de uma das principais denominações evangélicas do país. Entre trancos e barrancos, mas em constante invocação do divino, Macedo vai, literalmente, do Fusca à BMW.
O arco que abre e fecha o filme é a prisão de Macedo, em 1992, quando ele ficou detido por onze dias, acusado de crimes contra a fé – charlatanismo, estelionato e lesão à crendice popular. O longa pouco explica sobre os motivos que o levaram à cadeia e prefere focar na teoria da perseguição religiosa, complô que teria sido organizado entre a mídia (leia-se Rede Globo), a Igreja Católica e membros do Senado e do Judiciário, que levou à ação policial. O momento difícil, assim como os demais vividos por ele, serve de degrau para o constante aumento numérico de seus seguidores.
Difícil não destacar encontros com personagens célebres, como a relação ora afetuosa, ora espinhosa de Edir e seu cunhado R. R. Soares (André Gonçalves), pastor de outro império evangélico, a Igreja Internacional da Graça de Deus, e do programa de TV Show da Fé, exibido pela Band. Os dois se unem no ministério inicialmente batizado de Cruzada do Caminho Eterno, em que Edir tenta seguir a vocação pastoral, mas é constantemente barrado por outros pastores ao redor. Entre eles o cunhado, que só o deixa pegar o microfone quando o templo tem poucas pessoas. Afinal, Soares foi feito para falar apenas com multidões, alfineta o filme.
Outro amigo famoso que faz uma ponta é Silvio Santos. Foi com ele que o bispo negociou a compra da Record. E, quando já se afundava nas parcelas negociadas em dólar com o dono do SBT, o Plano Collor e a mudança da moeda facilitaram o caminho de Macedo para quitar as dívidas. “Para mim é um milagre”, ressalta o personagem sobre a época que assolou o país. Mais uma vez, Macedo invoca a parceria com Deus – que, aparentemente, teria deixado de olhar para o resto dos brasileiros para beneficiar o futuro da Rede Record.
Apesar da trama chapa-branca, o filme não é um martírio de ser assistido, graças ao conjunto de técnicas e equipe que faz um bom cinema. São exemplares a fotografia e os cenários de época, que transitam entre as décadas de 60 e 90. Petrônio Gontijo está hipnotizante na pele de Edir Macedo. Para além do básico, como entrar na postura e nos trejeitos do bispo, o ator se entrega com energia e muito suor ao personagem, trazendo o herói um pouco para o plano humano. Day Mesquita, responsável por Ester, esposa de Edir, consegue encontrar na graciosidade do clichê da boa moça cristã a força da mulher que faz diversos sacrifícios para ser o braço-direito de seu homem.
Da infância pobre, do apartamento com baratas e da caixa de som na praça pública, onde Edir começou suas pregações, o bispo e empresário termina o filme em um confortável quarto em Nova York, onde ele faz o gancho para a continuação – sim, no ano que vem estreia Nada a Perder – Parte 2. Como diz a Bíblia – e o meme que corre a internet –, Edir Macedo garante ser parte do seleto grupo de humilhados que chegaram ao pedestal dos exaltados.