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Os artistas que, cansados de novelas da Globo, partiram para o streaming

A perda da supremacia das telenovelas na preferência dos atores é atribuída, invariavelmente, a duas questões: o formato e o esquema de trabalho

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 11h37 - Publicado em 21 out 2022, 06h00

Sinônimo de prestígio certo, fama inigualável e segurança financeira, integrar o elenco fixo das novelas da Globo foi durante décadas o sonho de quase todos os atores brasileiros. Mas os tempos mudaram, os contratos de trabalho fixo minguaram e os famosos, em vez de permanecer disponíveis para novas tramas, estão revendo suas prioridades e anunciando: cansaram. Mesmo vindo frequentemente acompanhada do cauteloso “jamais digo jamais”, a disposição de recusar convites para um programa que é historicamente campeão de audiência já foi apregoada por nomes que são símbolo da dramaturgia global: Giovanna Antonelli, Bruna Marquezine, Cássia Kiss, Bruno Gagliasso, Carolina Ferraz, Marco Pigossi. “Tudo o que eu aprendi foi fazendo novela. Na minha saída da Globo, essa era justamente uma das questões. Queria explorar outras coisas”, explica Marquezine, 27 anos, uma cria do horário nobre, onde estreou aos 8. “Eu adoro o ambiente de televisão e não vou deixar de atuar, mas não quero mais novela”, já declarou Carolina, 54, atualmente apresentadora na TV Record.

A perda da supremacia das telenovelas na preferência dos atores é atribuída, invariavelmente, a duas questões: o formato e o esquema de trabalho. Não é de hoje que os artistas reclamam de ser consumidos pela novela em que atuam por até um ano, chegando a gravar vinte, trinta cenas por dia e ainda levar texto para decorar em casa. “Dependendo do processo de criação e do poder de assimilação do profissional, ele não tem vida alguma no período”, afirma Antonio Fagundes, 73 anos, mais de trinta novelas na Globo, que não teve o contrato renovado após 44 anos de casa e assegura que só voltaria em condições especialíssimas, entre elas um bom acerto financeiro e não gravar todos os dias.

Outra queixa recorrente diz respeito à própria essência da obra: sendo longa e aberta, um personagem pode tomar rumos imprevisíveis, por decisão do autor ou para impulsionar a audiência, o que dificulta o desempenho do ator. Por esse e outros motivos, nem o recente megassucesso Pantanal, que chegou a picos de mais de 35 milhões de telespectadores, anima os reticentes. É o caso de Cassia Kis, 64 anos, que anunciou que viraria a página no dia do lançamento de Travessia, a nova trama das 9, na qual atua. “Essa é a minha última novela. Já fiz todo tipo de personagem”, justifica Cassia.

Presente no mesmo folhetim, Giovanna Antonelli, 46 anos, que traz no currículo dezessete novelas globais, é outra que está se despedindo, atraída pelo canto de sereia das plataformas de streaming, um novo mercado de trabalho que tem facilitado muito a adesão ao bloco dos cansados de novelas. “Não sei ainda o que gostaria de fazer, mas eu poderia gravar uma temporada por ano, que geralmente são quatro meses de trabalho”, já afirmou Giovanna, referindo-se à média de tempo de filmagem em uma produção para a TV fechada. As plataformas (Netflix, HBO Max e Globoplay, entre outras) não oferecem estabilidade, uma conquista da classe artística na TV. “A produção contínua de novelas nas últimas cinco décadas contribuiu para a regulamentação da profissão e fez com que os artistas organizassem a vida financeira, podendo comprar carro, casa e viajar”, chama atenção Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP.

O streaming compensa ao oferecer mais liberdade e boa remuneração. Nos contratos fixos da Globo, que até pouco tempo atrás contemplavam mais de 500 profissionais (número drasticamente reduzido hoje em dia), os salários eram, em média, de 40 000 reais para estrelas em ascensão e de 150 000 reais para nomes consagrados. Em uma série de streaming, os cachês mais altos oscilam entre 300 000 e 900 000 reais por menos de seis meses de trabalho.

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O novo xadrez executado por artistas e público que se transferem para o streaming fez o jogo mudar radicalmente. “O ator tem mais autonomia, pode trabalhar para várias empresas ao mesmo tempo e ainda desbravar um mercado globalizado”, observa Tatiana Siciliano, professora do Departamento de Comunicação da PUC-­Rio, referindo-se ao caráter internacional das atuais séries, lançadas com legenda em vários idiomas e distribuídas a um sem-número de países. Atores nacionais estão, inclusive, cavando papéis em produções estrangeiras, como Marco Pigossi, 33 anos, ex-global que deixou o barco das novelas e já participou de duas séries da Netflix, a australiana Tidelands e a espanhola Alta Mar. São os namoradinhos e namoradinhas do Brasil rompendo o namoro e partindo para novos relacionamentos.

Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812

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