Os acertos e erros de ‘Segundo Sol’
Novela de João Emanuel Carneiro chega ao fim nesta sexta-feira após tramas absurdas e repetições – mas também revelações positivas
Segundo Sol exibe seu último capítulo nesta sexta-feira. Assinada por João Emanuel Carneiro, a novela das 9 da Globo estreou em maio sob altas expectativas – principalmente para a parte do público que se decepcionou com o último trabalho do autor, A Regra do Jogo (2015), e esperava ver algo mais parecido com o que foi, até agora, seu maior sucesso, Avenida Brasil (2012). Quase seis meses depois, é possível dizer que ainda não foi desta vez que ele se superou: o folhetim encabeçado por Emilio Dantas, Giovanna Antonelli, Adriana Esteves e Deborah Secco tropeçou em tramas repetidas e furadas, ainda que tenha apresentado alguns bons personagens.
Confira abaixo os principais erros e acertos de Segundo Sol:
Erro: trama furada de Beto Falcão e Luzia
A ideia de João Emanuel Carneiro para a novela era promissora, mas sua execução falhou ao deixar passar erros difíceis de engolir. É no mínimo estranho que nem os fãs de Beto Falcão (Emilio Dantas) e nem Valentim (Danilo Mesquita), seu filho, tenham percebido que Miguel, o tal primo do cantor, era, na verdade, o próprio músico, dado como morto em um acidente de avião. Beto, afinal, era conhecido, seu rosto aparecia na TV, em jornais e revistas. Como poderia seu filho nunca ter reconhecido o pai? Já os filhos de Luzia (Giovanna Antonelli), Ícaro (Chay Suede) e Manuela (Luisa Arraes), que tinham cerca de 8 anos quando a mãe desapareceu, não foram capazes de reconhecer a marisqueira, que ressurgiu 20 anos depois como a DJ Ariella – mas se lembraram de Miguel, que eles haviam conhecido quando crianças.
Acerto: Rosa
Rosa foi uma das grandes personagens de Segundo Sol e sua intérprete, Leticia Colin, uma das atrizes mais afinadas do folhetim. Por um lado, Rosa deu apoio à irmã, Maura (Nanda Costa), que se assumiu homossexual ao longo da trama, e foi uma grande defensora da mãe, Nice (Kelzy Ecard), diante dos abusos do pai. Mas, aliciada por Laureta (Adriana Esteves) para trabalhar no bordel logo no início da trama, ela não demorou a descobrir os podres da vilã, incluindo o sequestro de Valentim, namorado da prostituta. Entre revelar a tramoia para o parceiro e chantagear a cafetina, no entanto, Rosa escolheu a segunda opção, mostrando que é uma personagem dúbia – e por isso mesmo interessante. Nos últimos capítulos, a personagem caminha para a redenção, grávida de Ícaro e arrependida de ter guardado o segredo.
Erro: vilã maniqueísta
Laureta não herdou metade do vigor de Carminha, antagonista de Avenida Brasil interpretada também por Adriana Esteves. Por trás das maldades da personagem, como orquestrar a falsa morte de Beto Falcão, incriminar Luzia por homicídio, sequestrar Valentim e forjar a morte de Remy, não há nenhuma motivação. A cafetina não busca dinheiro ou poder, pois isso já tem de sobra. Tampouco quer beneficiar alguém com suas vilanias, visto que abandonou a filha, Karola, quando bebê e depois levou a menina para a prostituição, e trancou a mãe, Dulce, durante anos em um manicômio. A falta de propósito torna Laureta uma personagem plana e pouco interessante.
Acerto: merchandising social orgânico
Segundo Sol tratou de questões que vêm sendo discutidas pela sociedade nos últimos anos sem exageros, fugindo do tom didático demais que acaba pautando o merchandising social em muitas novelas. Homofobia e machismo entraram de modo orgânico no folhetim, como no arco de Maura (Nanda Costa), que se revelou lésbica para a família. Já sua mãe, Nice (Kelzy Ecard), vivia um relacionamento abusivo com o marido, Agenor (Roberto Bonfim), mas, aos poucos, entrou em contato com os ideais feministas e se libertou da situação.
Erro: Bahia branca
Ainda antes de Segundo Sol estrear, a Rede Globo foi notificada pelo Ministério Público Federal pelo baixo número de negros na novela. A trama de João Emanuel Carneiro se passa em Salvador, Bahia, Estado com o maior porcentual de população negra do Brasil – por lá, 76% dos habitantes se autodeclaram pretos ou pardos, segundo o IBGE. O elenco da novela, no entanto, não reflete essa distribuição social. Dos 35 personagens creditados no site oficial do folhetim, apenas cinco – Roberval (Fabrício Boliveira), Zefa (Cláudia di Moura), Doralice (Roberta Rodrigues), Acácio (Dan Ferreira) e Pai Didico (João Acaiabe) – são negros.
Diante da notificação, a emissora afirmou que “respeita a diversidade e repudia qualquer tipo de preconceito e discriminação, inclusive o racial”, e disse que a sugestão do MPF seria implementada na segunda fase da trama. Porém, após o salto de 20 anos no tempo, surgiu apenas um novo personagem negro, Acácio. Na internet, usuários criaram a campanha “Eu poderia estar em Segundo Sol”, que sugeria atores negros para o elenco do folhetim das 9. Nomes como Sheron Menezzes, Taís Araújo e Lázaro Ramos foram citados.
Acerto: família Athayde
A trama detalhada da família Athayde sustentaria, sozinha, toda a novela. Com personagens complexos e questões importantes, como racismo e corrupção, o clã se tornou bem mais interessante que os Falcão. Claudine (Cássia Kiss) criou Edgar (Caco Ciocler) como seu filho, mesmo sabendo que ele era fruto do relacionamento extraconjugal de seu marido, Severo (Odilon Wagner), com a empregada, Zefa. Do romance nasceu também Roberval, negro como a mãe e, por isso, criado à margem. No leito de morte, no entanto, a socialite contou a verdade para o enteado. Revoltado com a mãe, que lhe escondeu a origem, com o pai, que o renegou, e com o irmão, que roubou sua namorada, Cacau (Fabiula Nascimento), Roberval desapareceu, para voltar anos depois, milionário. Como vingança, o ricaço se envolveu com a cunhada, Karen (Maria Luisa Mendonça) e, por um triz, não beijou também a sobrinha, Rochelle (Giovana Lancelotti). Desapossados de sua fortuna depois das autoridades acusarem Severo de corrupção, Edgar virou taxista e Karen, vendedora. Rochelle ficou humilde após ser diagnosticada com a Síndrome de Guillain-Barré e Roberval finalmente perdoou a família.
Erro: déjà vu
João Emanuel Carneiro abusou das repetições de enredos. O espectador assistiu em déjà vu (termo francês usado para descrever a sensação de já ter vivido alguma situação) Laureta forjar a morte de Remy, como forjou a de Beto Falcão, anos antes; os irmãos Ícaro e Valentim brigarem pelo amor de Rosa, como Roberval e Edgar por Cacau na primeira fase da trama; e Severo ganhar dois filhos durante a novela: Roberval e, num duplo twist carpado, Karola, com quem não teve contato nenhum durante a trama.