Obras de Aleijadinho são restauradas diante dos visitantes em mostra
Exposição reforça a tendência que tem Michelangelo, Rembrandt e Vermeer como expoentes
Quem passa em frente à Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, desde o dia 3 de novembro, assiste a uma atração peculiar. No lugar de música, dança ou teatro, as amplas janelas de vidro do prédio na Praça da Liberdade deixam escapar a quem transita nas calçadas uma cena mais sutil, quase em câmera lenta: acontece ali, diante de olhos curiosos, a minuciosa restauração de três obras de Aleijadinho (1738-1814), mestre do barroco mineiro. “Mesmo com as cortinas fechadas, alguns já paravam para observar”, conta Rosângela Reis Costa, coordenadora da mostra Aleijadinho, a Arte Revelada: o Legado de um Restauro.
Além do gostinho oferecido pela vitrine, a exibição gratuita com as obras de Aleijadinho terá duas fases: na primeira, de 3 a 30 de novembro, pequenos grupos farão visitas agendadas para conferir a restauração das esculturas de São Manuel, São Joaquim e Sant’Ana Mestra em tempo real. Na fase seguinte, entre 2 de dezembro e 2 de janeiro, a visitação é aberta, com os dois santos já finalizados, e a representante feminina, que estava tomada por cupins, ainda em restauro. Dentro da exposição, os visitantes poderão interagir com os restauradores. Paralelamente, uma websérie nas redes sociais, ainda neste mês, e um livro, em 2022, compilarão a peculiar experiência, que, como resume o presidente da Casa, Fernão Silveira: “É como ver o que acontece na cozinha de um restaurante”.
A mostra reforça uma tendência que ressignificou o papel da restauração, transformando um processo usualmente feito a portas fechadas, e de caráter técnico, em um espetáculo por si só. Um dos primeiros registros de atrações nesse molde é de 1994, quando o quadro Moça com Brinco de Pérola (1665), do holandês Johannes Vermeer (1632-1675), foi restaurado diante do público no Museu Mauritshuis, em Haia. Os visitantes puderam acompanhar o processo por uma parede de vidro — e até mesmo optar por uma visão de cima para baixo, através de uma claraboia. O também holandês Rembrandt (1606-1669), grande mestre do barroco, ganhou trato parecido. Em 2019, o Rijksmuseum, em Amsterdam, lançou a Operação Ronda Noturna, projeto que colocou a obra-título em uma redoma que permitia aos visitantes observar a limpeza da pintura, os retoques e até o mapeamento digital que levou à reconstrução de parte da obra por uma inteligência artificial. Mais recentemente, em outubro, o Museu do Duomo, em Florença, finalizou a restauração de Pietà Bandini. A escultura, projetada por Michelangelo (1475-1564) para o próprio túmulo, foi relegada por séculos, mas atraiu a curiosidade geral pelo restauro ao vivo feito no centro do imponente museu Tribuna di Michelangelo.
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Aleijadinho
Trabalhoso e detalhista, o processo de restauração costuma cair na boca do povo apenas quando dá errado. Em 2020, um quadro da Virgem Maria feito pelo pintor espanhol Bartolomé Esteban Murillo (1617-1682) virou piada ao ser destruído por um “restaurador amador”, que cobrou 1 000 libras pelo trabalho. A tragédia foi comparada ao afresco de Jesus Cristo batizado de Ecce Homo, que viralizou depois de uma restauração malsucedida em 2012. Logo, colocar o público diante dos cuidados que os especialistas têm com obras de arte não só sacia curiosidades, como revela quão delicado e preciso é esse trabalho. “Abrir as portas para mostrá-lo é um modo de atestar sua importância”, explica Rosângela Reis Costa. Nada mais justo que aplaudir o esforço dos especialistas na arte de preservar a arte.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763
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