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O ser humano real (e problemático) por trás do genial Andy Warhol

Uma mostra na Inglaterra ilumina o pintor que antecipou a era das celebridades e da exposição nas redes com sua pop art

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 jul 2025, 08h00

“Se você quiser saber tudo sobre Andy Warhol, basta olhar para a superfície das minhas pinturas e filmes e para mim, e lá estou eu”, proclamou o ícone da pop art durante uma entrevista em 1966. Por mais de quarenta anos, a frase permaneceu como uma das tiradas mais lapidares do artista americano que transformou as latinhas de sopa Campbell’s em pintura — até que, ao se resgatar a gravação original da reportagem em seus arquivos, em 2007, se descobriu algo espantoso: ele nunca falou nada daquilo. Tímido e com horror a entrar em conflito com qualquer interlocutor, Warhol (1928-1987) reagia a questionamentos apenas com lacônicos “sim” ou “ótimo”. A frase, portanto, é mais uma construção da mente de quem o entrevistou do que do próprio, esclarece a historiadora da arte britânica Jean Wainwright — curadora de uma instigante mostra na Inglaterra que busca desvendar quem foi a pessoa real por trás dessa esfinge que, com sua peruca e óculos inconfundíveis, sacudiu a arte no fim do século XX.

Em cartaz até 14 de setembro na Newlands House Gallery, casarão histórico na região inglesa de West Sussex, a mostra Andy Warhol: My True Story (Minha História Verdadeira) faz uma curiosa reversão de expectativas. Naquele ambiente sóbrio, longe da badalação que costuma cercar as grandes exibições “fast-food” de seu trabalho mundo afora (inclusive no Brasil), o que se oferece é um olhar intimista sobre o homem que anteviu de forma genial o culto às celebridades, a cultura da alta exposição midiática e o narcisismo nas redes.

FAMA - Após ser jogado na piscina: amizade e micos com famosos
FAMA - Após ser jogado na piscina: amizade e micos com famosos (Bob Adelman Estate/.)

A seleção inclui obras célebres como suas serigrafias da Mona Lisa, desenhos perdidos que Warhol fez na infância, fotografias raras e outros itens de memorabilia cedidos por irmãos, sobrinhos e amigos. Esse vislumbre íntimo, aliás, também é explorado num documentário precioso em exibição nos cinemas nacionais: Andy Warhol: um Sonho Americano vasculha desde as origens familiares do artista na Eslováquia até sua relação forte com a mãe e a religiosidade ortodoxa.

Nessa tarefa de desnudar o homem enigmático sob a persona onipresente na cultura pop, a mostra na Inglaterra dispõe de um trunfo imbatível. A curadora Jean Wainwright é uma das maiores especialistas na biografia do artista e, desde os anos 1990, fez dezenas de entrevistas com pessoas próximas de Warhol — como seus irmãos e confidentes Paul e John Warhola. Foi, ainda, das raras estudiosas a ter acesso aos famigerados “Warhol tapes” antes que fossem colocados sob embargo pela Fundação Andy Warhol, em Pitts­burgh, até 2037 (a razão: ele gravou muita gente sem se preocupar em ter autorização, e ainda há interlocutores vivos).

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O acervo em questão é composto de mais de 2 000 fitas cassete em que o artista registrava tudo, de encontros com amigos até conversas com personalidades como o escritor Truman Capote — um material valioso para entendê-lo e saber mais sobre a revolução da pop art. As gravações de Warhol compõem um verdadeiro exercício de antropologia social — e suas impressões íntimas informam e conduzem a mostra. “Elas são o oposto de sua pop art”, disse a curadora a VEJA. “Quando finalmente puderem ser ouvidas por todos, trarão à luz não só muitos aspectos diferentes de Warhol, incluindo suas conversas com Valerie Solanas, a mulher que atirou nele em 1968, mas também sons que não ouvimos mais, como a água saindo das torneiras do Chelsea Hotel, em Nova York”, complementou Wainwright.

PANORAMA POP - A famosa série sobre a Mona Lisa, de 1979 (à esq.), pintura que mostra o artista com o irmão Paul (ao centro) e o desenho do cãozinho feito na juventude: um criador que vai muito além dos clichês
PANORAMA POP – A famosa série sobre a Mona Lisa, de 1979 (à esq.), pintura que mostra o artista com o irmão Paul (ao centro) e o desenho do cãozinho feito na juventude: um criador que vai muito além dos clichês (The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc.; Paul Warhola Family Estate and Jean Wainwright; The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc./Courtesy Daniel Blau/.)

A exposição resgata a atmosfera cintilante em que Warhol reinou absoluto dos anos 1960 ao início dos 1980. Mas ilumina alguém bem menos superficial e seguro do que sugeria sua figura pública de dândi baladeiro (e marqueteiro), sempre cercado de famosos e capaz de tudo para chamar atenção. Muitas vezes, ele mergulhava em dúvidas angustiantes sobre os rumos de sua obra, e tomava decisões a respeito só após ouvir conselhos dos outros de forma obsessiva.

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Mas, ainda que fosse retraído a nível quase patológico, Warhol transformou a timidez em um traço inteligente e calculista. Admirador das estrelas de Hollywood desde a infância, ele sabia que era preciso ter um estilo distinto para ser lembrado — e sua fixação foi não só retratar, mas andar e ser visto com famosos. O que às vezes incluía pagar micos: numa foto divertida, ele surge tirando água das botas após ser jogado de roupa na piscina pela amiga e socialite Edie Sedgwick.

Embora fosse um “acontecimento social” ambulante, Warhol preferia a posição de um observador calado. “O artista pop não respondia a perguntas diretas, mas fazia com que outras pessoas falassem por ele ou concordassem com o que diziam sobre ele”, diz a curadora. Falem bem ou falem mal de mim, mas consumam minha obra — eis a síntese mais reveladora de Andy Warhol.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953

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