O novo (e lindo) espetáculo do grupo Momix que em breve chega ao Brasil
Grupo americano desembarca no país com ‘Alice’ — show de tom teatral que traz mais uma série de inovações da prestigiada trupe de bailarinos
Às vésperas de uma apresentação em Boston, em janeiro, o grupo de dança americano Momix sofreu um baque: sua bailarina Órla Baxendale, de 25 anos, morreu repentinamente de um choque anafilático causado pela ingestão de um biscoito de amendoim — ela era alérgica ao ingrediente, mas o rótulo não apontava a presença dele. Naquele momento difícil, o fundador da companhia, Moses Pendleton, 75 anos, tomou uma dura decisão: a agenda de apresentações foi mantida, mesmo com a morte da jovem, que havia entrado para a trupe oito meses antes. Na ocasião, o coreógrafo decidiu, em conjunto com a equipe, que o show deveria continuar. “A forma mais bonita de celebrar a vida de Órla — e sua perda — era dedicar a apresentação a ela, como um memorial”, explicou Pendleton em entrevista a VEJA.
Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll
O resultado dessa dedicação e respeito com os dançarinos em breve poderá ser visto pelos brasileiros no espetáculo Alice, baseado no livro clássico de Lewis Carroll, que desembarca pela primeira vez por aqui em junho, quando passará por Curitiba, no dia 13, Rio de Janeiro (22 e 23), Belo Horizonte (25 e 26) e São Paulo (29). A produção ganhou elogios em países da Europa, nos Estados Unidos e parte da América Latina ao mesclar, com figurinos extravagantes, acrobacias a movimentos elaborados, entre jogos de luzes e sons instrumentais de música clássica, rock e eletrônica — mistura que se tornou o DNA do grupo.
Fundado em 1980 por Pendleton, também criador do Pilobolous, outra companhia de destaque no meio, o Momix atingiu seu auge na década de 1990, quando o mundo reconheceu o frescor de suas ousadas apresentações, que davam aos movimentos da dança contemporânea uma nova carga emotiva e teatral. O sucesso consolidou a marca. Antes de Alice, a trupe já havia colocado na estrada outras sete montagens originais. As comparações entre o Momix e o popular Cirque du Soleil, criado poucos anos depois, em 1984, no Canadá, se tornaram inevitáveis. Pendleton, porém, dispensa qualquer senso de competitividade. “Eles são mais circo e nós, mais ‘soleil’ (solares). E acredito que temos muito mais dança”, avalia.
De fato, o grupo americano explora as possibilidades dos movimentos do corpo enquanto a trupe canadense opera no limite da força de seus artistas, esses comparáveis a atletas de alta performance. Talvez por isso o Momix, enfim, seja menos conhecido — mas não menos valoroso. Ao longo de quatro décadas, o grupo serve de referência para outras companhias e escolas de dança, como a Petite Danse, do Rio de Janeiro, que já formou bailarinos a serviço hoje de companhias estrangeiras, como o Royal Ballet de Londres e o San Francisco Ballet, na Califórnia. “O Momix trouxe novas possibilidades de ver a dança com criatividade e harmonia. Quem assiste aos espetáculos consegue ver além do movimento dos corpos”, opina Nelma Darzi, diretora do Petite Danse.
Cirque du Soleil: a reinvenção do espetáculo – John Bacon
Em Alice, no centro do palco, uma das várias personagens flutua na ponta de uma escada, suspensa por fios e por outro dançarino na extremidade oposta, em um jogo de força e equilíbrio. Em outro momento, todos os bailarinos, vestidos com máscaras de coelho, representam o terror noturno de cair e sair da toca do animal. Já perto do final, uma personagem sobe ao céu com seu vestido esvoaçante refletindo cores fortes, que atiçam diversos sentidos da plateia. “Pegamos os personagens mais icônicos da obra de Lewis Carroll para expressá-la da nossa forma”, explica o criador. Os números do Momix são até difíceis de contabilizar devido ao tempo que o grupo está ativo. Questionado sobre uma estimativa de público até aqui, Pendleton brinca: “Eu chutaria 1 trilhão”. A magia está em movimento — e ela não vai parar.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895