Fui pela primeira vez a uma parada LGBTQ em Los Angeles. Uma das diferenças da marcha nos Estados Unidos em relação às que ocorrem no Brasil é a presença maciça de grandes empresas: há o bloco do Citibank, da Delta Airlines, da Netflix, da Amazon etc. Havia grupos de filhos de LGBTQs com sua família. Numa rua paralela, vi dezenas de barraquinhas de organizações civis dos mais variados tipos, como a da Academia do Oscar, agremiações religiosas e até uma barraquinha da polícia, com policial de sorriso no rosto, enquanto o xerife circulava com um Mickey gay colado no uniforme.
Há uma evidência que a parada LGBTQ ilumina: a riqueza da Califórnia não se resume às companhias de tecnologia — existe abundância de riqueza cultural inclusiva. Ousaria dizer que a recessão brasileira também se traduz em pobreza cultural de amplos setores que parecem não ter vergonha alguma de esmagar os esforços na luta contra a homofobia. Convém ressaltar, contudo, com estardalhaço, o esforço que grandes marcas brasileiras têm feito pelos direitos LGBTQ na publicidade. Há viradas extraordinárias de postura, revolucionárias. Nem sempre foi assim. Comecei minha carreira de cineasta faz quinze anos, dirigindo comerciais. Lembro o pânico de um dos meus empregadores quando, pálido, descobriu que eu era gay. “E agora?” Lembro-me de ter visto, em outra oportunidade, um bilhete circulando de mão em mão, menos na minha, é claro: “O diretor é veado”.
Torço para que essa reviravolta esteja ocorrendo também nas escolas. Mesmo eu tendo estudado em excelentes colégios paulistanos, como o Vera Cruz, o Santa Cruz, e depois me graduado na Eaesp-FGV, nunca ouvi uma linha daquelas instituições sobre inclusão — à exceção da querida professora de história grega. Não eram poucos os alunos com piadas de cunho homofóbico, e alguns (raros) professores entravam na dança. Fui pesquisar de onde vinha tanto preconceito. Os primeiros registros começam no judaísmo antigo, na Torá, que literalmente prega a morte de gays (digo isso como judeu e com dor no coração). Mas foram as palavras atribuídas a Paulo de Tarso, o São Paulo, que, incluídas na Bíblia, alimentaram o ódio. A caçada às vezes é física, mas é também institucionalizada na cultura. A maioria dos filmes é dirigida por heterossexuais brancos, sempre celebrando o macho hétero e a mocinha. Aos gays fica reservado o papel do “divertido” bobo da corte. A homofobia pode ser política, como se deu com nosso então único deputado gay assumido, Jean Wyllys. Ele saiu do Brasil, em suas próprias palavras, para não terminar como Marielle. Aliás, se você odeia o Jean, pense duas vezes sobre qual pode ser o motivo, tente descobrir se o que ouviu a respeito dele é verdade.
Nasci com privilégios, seja por ser homem, seja por ser branco, de classe média, cercado por pessoas incríveis e amor. Uma vez entrevistei um dos maiores banqueiros do Brasil, que me ensinou: “Privilégio deve ser exercido com responsabilidade”. É o que faz a Califórnia e o que deveria fazer o Brasil. Mas nossa elite muitas vezes prefere copiar o Mickey em vez dos direitos LGBTQ celebrados pela própria Disney.
Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639