“Música é conexão com Deus”, diz o pianista Jon Batiste
O americano de 35 anos conta como venceu o racismo para virar um pop star do jazz ao ganhar o Oscar por 'Soul' e, recentemente, se consagrar no Grammy
Como músico de jazz, o senhor se sente responsável por resgatar o gênero ao vencer artistas do pop e hip-hop na principal categoria do Grammy? O que faço é parte de um movimento maior, é muito mais do que apenas sobre o jazz. Estamos presos a fórmulas e a coisas que não nos servem, tanto nas artes como na sociedade. A música traz a libertação humana.
O que o jazz significa para o senhor? O jazz está enraizado na cultura negra americana, mas é também uma forma de arte global. Sou músico de jazz e me conecto a todos os lugares do mundo. Além disso, o jazz é a mais moderna forma de música que já surgiu, porque seu som sempre é feito em colaboração.
A animação infantil Soul, cuja trilha sonora lhe rendeu um Oscar, é feita de jazz. Como explicar o ritmo para as crianças? Jazz é sobre sentimento. E a primeira coisa que uma criança entende é o sentimento. Ela pode não entender intelectual ou culturalmente o que é o jazz, mas ela o sente. Quando falo disso, eu pergunto às crianças: quais imagens vêm à sua mente? A partir daí, elas começam a entender.
We Are, trabalho que lhe trouxe o Grammy de álbum do ano, mistura estilos como R&B, soul e rap. São gêneros irmãos? Todos os ritmos estão relacionados e vêm do desejo das pessoas de expressar suas conexões umas com as outras. Música é conexão com Deus. Quando misturamos estilos, conectamos as experiências humanas.
O senhor é um ativista contra o racismo. Que dificuldades enfrentou na sua carreira por causa da cor da sua pele? Ser mulher ou homem negro nos Estados Unidos significa ser subestimado quando você atinge certos níveis de sucesso. Significa também ser diminuído em certos círculos onde não há pessoas parecidas com você. Muitas vezes me senti assim. Mas penso que isso é também um superpoder, porque me permitiu observar e avançar quando achavam que eu não seria capaz. Tirei minha força do preconceito.
Depois do sucesso no Grammy e no Oscar, quais são seus próximos passos? Eu não planejo nada. Vivo um dia de cada vez. Definitivamente, quero visitar o Brasil. Lia de Itamaracá e Hermeto Pascoal são dois artistas que me inspiram. A música que eles fazem me parece tão próxima da música com a qual eu cresci. Eu me identifico com o sentimento que vem da música deles.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787