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“Mulheres gostam do sexo tão ousado quanto homens”, diz diretora de pornôs

Insatisfeita com a produção do mercado pornográfico, a cientista política sueca Erika Lust decidiu produzir filmes voltados para mulheres

Por Luisa Bustamante
Atualizado em 30 nov 2018, 20h51 - Publicado em 30 nov 2018, 17h07

Formada em Ciência Política pela Universidade de Lund, na Suécia, a feminista Erika Lust decidiu largar tudo para entrar na indústria pornográfica aos 23 anos. Ao contrário da maior parte das mulheres nesse ramo, Erika foi trabalhar por trás das câmeras, como diretora. Lançou seu primeiro filme em 2004 na internet e, em alguns dias, atingiu milhões de downloads. Hoje, aos 41 e vivendo em Barcelona, Erika é referência feminista no mundo dos filmes adultos. Seus filmes, premiados no mundo inteiro, colocam as personagens mulheres num papel central e ativo, algo que, ela diz, a pornografia convencional não faz. Um de seus projetos, o XConfessions, que consiste em pequenos curtas produzidos a partir de fantasias sexuais compartilhadas por internautas, já levou à produção de mais de cem curta-metragens. Os filmes da diretora, que vem revolucionando o pornô, estão inseridos em um contexto feminista que, entre outros pontos, pretende transformar as bases da indústria do cinema adulto, quase totalmente dominada por homens. Confira os principais trechos de entrevista que Erika concedeu a VEJA.

A senhora sempre fala em suas palestras que está na hora da pornografia mudar. Por quê? A pornografia deveria mostrar as mulheres do ponto de vista do seu próprio desejo e não exclusivamente como objeto sexual do prazer dos homens. Eu gostaria de retornar à Era de Ouro da pornografia, nos anos 1970, quando, nos Estados Unidos, os filmes adultos eram grandes produções. O pornô era parte de uma expressão artística e sexual que desafiava a censura e as percepções tradicionais de amor e sexo. Infelizmente isso se perdeu na transição entre o VHS e a internet.

O que aconteceu? Os canais de vídeos pornô gratuitos só se importam com tráfego, não ligam para a mensagem que transmitem sobre o sexo. Por isso vemos muita pornografia que não inspira e é enfadonha. Falta valor cinematográfico, uma boa trama, desenvolvimento dos personagens, cenários bonitos, paixão de verdade, intimidade, diversão, criatividade, realismo, diversidade…

Por não gostar do que via que a senhora decidiu virar uma diretora de filmes adultos? Sim. Estudei ciência política e de gênero na Lund University, na Suécia, e estava lendo o livro “Hard core”, de Linda Williams, quando tive um insight. Percebi que a pornografia é, na verdade, um discurso sobre a sexualidade. É uma afirmação que expressa ideologia, valor e opinião sobre sexo e gênero. Naquele momento eu percebi que estávamos assistindo a todas estas representações de sexo, sexualidade e gênero sob o olhar de um grupo muito específico de homens brancos. Eu quis criar uma alternativa a esse olhar e fazer uma pornografia mais sensual e ética.

Por que a senhora critica a pornografia convencional? O problema é que tem muito conteúdo repetitivo e estereotipado que insiste em objetivar o corpo feminino. A cena tipicamente se desdobra através do olhar do homem, e a sua ejaculação parece ser obrigatória para acabar com a cena. A personagem feminina está sendo usada para satisfazer os outros, mas não a si mesma. A pornografia feminista é tão importante porque mostra que o prazer feminino é imenso. Não é que o prazer masculino não importe, mas estamos assistindo há muito tempo um tipo de pornografia que ignora completamente a sexualidade das mulheres. O olhar delas na indústria pornô dá uma perspectiva mais saudável e positiva sobre o sexo.

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O que pensa sobre a ideia, muito comum, de que pornografia para mulher é mais light? É uma completa besteira. Não há como agrupar um gênero inteiro em um tipo específico de pornografia, as preferências sexuais são tão variadas quanto as personalidades. Pornografia para mulheres pode ser muitas coisas, áspera, múltipla, vulgar, romântica ou tudo isso ao mesmo tempo. Não é só lençol de cetim branco, pétala de rosa e música romântica. As mulheres gostam do sexo tão ousado quanto os homens, sacana mesmo.

No Brasil, um dos termos mais procurados em sites de pornografia é a palavra “novinha”, em referência à meninas menores de idade. O que acha disso? A fascinação com mulheres muito novas vem de muito tempo. Uma das explicações gira em torno da ansiedade masculina com o envelhecimento – talvez intimidados pelas demandas emocionais e eróticas de mulheres da mesma idade eles encontrem algum conforto na ingenuidade das mais jovens. Independente disso, a indústria pornográfica não está sozinha quando o assunto é a erotização das adolescentes. A sociedade e a mídia têm obsessão em ao mesmo tempo sexualizar e infantilizar as mulheres.

A senhora acredita que a pornografia exerce influência na autoestima de homens e mulheres e na sua relação com o próprio corpo? Sim, mas não é apenas a pornografia. Isso acontece com todo tipo de mídia. Se as pessoas só veem um tipo de corpo, magro, branco, jovem, isso pode ter um efeito negativo em todos que não se encaixam nesse perfil. É importante que as pessoas se vejam representadas. Nos meus filmes, procuro atores e atrizes de diferentes raças, etnias e identidades de gênero, bem como diferentes tipos de corpo. Os padrões de beleza tradicionais são muito limitados e não reconhecem que existem beleza em cada um de nós.

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A pornografia pode ser usada para educação sexual? Não deveria, pois não é seu papel. A pornografia deve ser consumida por maiores de 18 anos como uma forma de entretenimento, não como educação sexual. O fato, porém, é que muitos adolescentes são expostos ao pornô antes dessa idade e isso se torna um problema ainda maior quando eles não têm acesso a recursos de educação sexual. Então, na prática, a pornografia já é usada como educação sexual.

E por que isso é ruim? Porque eles copiam o comportamento, linguagem e atos sexuais retratados nos filmes acreditando que aquilo é sexo de verdade. A maioria desses adolescentes está assistindo a pornografia mainstream disponível gratuitamente na internet, e grande parte deste conteúdo é extremamente problemática e misógina. São filmes que normalizam o comportamento violento e perpetuam a ideia de que as mulheres estão prontamente disponíveis para o sexo sem questionamento ou consentimento.

Isso também afeta as meninas? Elas podem aprender a priorizar o prazer dos homens e a depender deles para seu próprio prazer.

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E como alertar os jovens para isso? Pais e escolas precisam conversar com seus filhos e alunos sobre pornografia, explicando que ela não representa a vida real, mas uma fantasia, que pode levar a extremos. É por isso que eu comecei um site sem fins lucrativos, The Porn Conversation, que oferece ferramentas para os pais conversarem com seus filhos em casa.

A senhora costuma ser criticada por ser mulher nessa indústria? Sim. Mas muitas vezes as pessoas ficam mais ofendidas por eu ser feminista do que por fazer pornografia. Na verdade, as pessoas ficaram incomodadas com a minha perspectiva feminista, não queriam reconhecer que muito do pornô convencional criado hoje é sexista.

O que as diretoras feministas têm feito para mudar a lógica dessa indústria? Elas injetam diretamente seus valores feministas nos filmes, com papéis de liderança por trás das câmeras. Elas participam de todo o processo: produção, direção, direção de arte, de fotografia, etc. Isso cria um espaço sexual positivo para as mulheres reivindicarem sua sexualidade, prazer e desejos. Os filmes promovem igualdade de papéis e não há estereótipos de gênero, o que é prejudicial tanto para homens quanto para mulheres.

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