Morre crítico literário Antonio Candido, aos 98 anos
O autor do clássico "Formação da Literatura Brasileira" estava internado em São Paulo com problemas no intestino
Morreu nesta sexta-feira o crítico literário e sociólogo Antonio Candido de Mello e Souza, aos 98 anos. O autor de Formação da Literatura Brasileira (1959) e Literatura e Sociedade (1965), entre outros estudos fundamentais, estava internado no hospital Albert Einstein em São Paulo com problemas no intestino. Um comunicado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), onde ele lecionou, informou que o velório será realizado nesta sexta-feira, no Hospital Albert Einstein, das 9 às 17 horas.
Candido é um nome incontornável não só da crítica literária, mas do pensamento social sobre o Brasil – e esses dois elementos são quase indissociáveis em sua obra. Expoente de uma geração de intelectuais que começou a atuar nos anos 40, foi um leitor atento das obras de “interpretação do Brasil” dos anos precedentes, como Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda. Seu Formação da Literatura Brasileira, publicado em 1959, de certo modo dá continuidade a essa tradição: é um panorama profundo e nuançado da literatura nacional dos séculos XVIII e XIX, período em que, segundo ele, se consolidou um sistema literário no Brasil. Objeto tanto de reverência exagerada quanto de ataques acerbos, a obra continua como um monumento singular dos estudos literários brasileiros. Não foi a única realização do autor, que, em seu trabalho mais empenhado como crítico de seus contemporâneos, deixou páginas críticas decisivas sobre autores tão diversos quanto Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Clarice Lispector e João Antonio. Homem de esquerda, Candido também foi membro fundador de dois partidos políticos, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 1947, e o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980.
Filho do médico Aristides Candido de Mello e Souza e de Clarisse Tolentino de Mello e Souza, Antonio Candido nasceu em 1918 no Rio de Janeiro. Porém, passou a infância em Minas Gerais, nas cidades de Cássia e Poços de Caldas, e em São João da Boa Vista, no interior paulista. Em 1937, mudou-se para São Paulo e dois anos depois ingressou na Faculdade de Direito e na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O primeiro curso foi abandonado prestes a terminar, mas o segundo rendeu-lhe o passaporte para a carreira acadêmica: em 1942, Antonio Candido ingressou no corpo docente da USP como assistente de ensino do professor Fernando de Azevedo na cadeira de Sociologia II, onde foi colega do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995).
Em 1945, Candido obteve o título de livre-docente com a tese Introdução ao Método Crítico de Sílvio Romero e, em 1954, o grau de doutor em Ciências Sociais com a tese Parceiros do Rio Bonito, ainda hoje um marco nos estudos sobre sociedades tradicionais. Entre 1958 e 1960, foi professor de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, hoje integrada à Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Como professor-titular de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a partir de 1974, Candido deu aula para intelectuais como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o crítico Roberto Schwarz. Orientou teses de professores cujo pensamento nem sempre era afinado como o seu, como Haroldo de Campos e Luiz Costa Lima. Aposentado em 1978, Antonio Candido atuou como professor do curso de pós-graduação até 1992.
Obra premiada – Candido não atuou só entre os muros acadêmicos: por muito tempo, foi um crítico atuante na imprensa. Durante o período de colaboração com o jornal Folha da Manhã, no início dos anos 1940, resenhou os primeiros livros de João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector. Foi um dos idealizadores do Suplemento Literário do Estados de S. Paulo, que foi editado, até 1967, por seu amigo Décio de Almeida Prado. Formação da Literatura Brasileira é seu livro de maior fôlego, mas seu pensamento sobre literatura ainda se expande em ensaios e estudos breve distribuídos em várias coletâneas fundamentais, como Brigada Ligeira (1945) e O Discurso e A Cidade (1993). Conquistou quatro vezes o Prêmio Jabuti e foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Internacional Alfonso Reyes, um dos mais importantes da América Latina, em 2005.
Com um olhar apurado, Antonio Candido conseguiu identificar grandes escritores brasileiros na estreia, como Guimarães Rosa, em 1946, (“Sagarana não é um livro regional como os outros, porque não existe região igual à sua, criada livremente pelo autor com elementos caçados analiticamente e, depois, sintetizados na ecologia belíssima das suas histórias”); João Cabral de Melo Neto, em 1943 (“Pedra do Sono é a obra de um poeta extremamente consciente”); e Clarice Lispector, em 1943 (“Perto do Coração Selvagem é uma tentativa impressionante de levar a nossa língua canhestra para domínios pouco explorados”).
Antonio Candido foi casado com Gilda de Mello e Souza (1919-2005), também renomada crítica literária e ensaísta, e dedicou-se ainda à militância política, primeiro opondo-se ao governo Getúlio Vargas e posteriormente participando da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Antonio Candido deixa três filhas: a designer e escritora Ana Luísa Escorel e as historiadoras Laura de Mello e Souza e Marina de Mello e Souza.