Memória: o cantor Cassiano e o ator Norman Lloyd
Ambos os artistas faleceram nesta semana; relembre suas carreiras

Se Tim Maia, sempre irrequieto, dado a diatribes, era dono de uma personalidade difícil, o paraibano Genival Cassiano dos Santos — um de seus parceiros mais fenomenais — não ficava atrás. Irascíveis, ambos viviam às turras, mas isso não impediu que uma assombrosa alquimia se instalasse no estúdio no Rio de Janeiro onde, em 1970, gravaram o primeiro disco de Tim. Cassiano daria contribuição decisiva àquele álbum clássico do soul nacional, com sua guitarra de fraseado picotado e duas músicas de sua autoria: Primavera (Vai Chuva) — “Quando o inverno chegar, eu quero estar junto a ti / Pode o outono voltar, que eu quero estar junto a ti” — e Eu Amo Você. Mas, enquanto Tim viria a explodir nas décadas seguintes, com Cassiano deu-se o oposto: ele se tornaria um talento muito cultuado, mas fadado ao ostracismo.
Nascido em Campina Grande, ele se mudou para o Rio de Janeiro aos 6 anos. Aprendeu a tocar violão com seu pai, amigo de Jackson do Pandeiro. Apaixonou-se pela bossa nova e logo passou a tocar em grupos musicais, como o quarteto Os Diagonais. Após a gravação do álbum com Tim Maia, lançaria seus três principais discos: Imagem e Som (1971), Apresentamos Nosso Cassiano (1973) e Cuban Soul (1976), sua obra-prima, do qual faz parte A Lua e Eu (“Mais um ano se passou e nem sequer ouvi falar seu nome”). No fim da década de 70, porém, um grave problema pulmonar minou sua carreira nos palcos — e sua trajetória pessoal nas décadas seguintes seguiria um rumo errático, longe do sucesso. A influência do artista, no entanto, pode ser medida pela variedade de nomes que regravariam seu trabalho, como Ivete Sangalo, Alcione e Gilberto Gil. Cassiano morreu na sexta-feira 7, aos 77 anos, de causa não revelada, em um hospital público do subúrbio do Rio de Janeiro.
O clássico dos clássicos

“Se a história do cinema tem uma voz é a de Norman Lloyd”, escreveu o reputado crítico Kenneth Turan no jornal Los Angeles Times, em 2012. Lloyd, ator americano de timbre inigualável, trabalhou com diretores como Charlie Chaplin, Alfred Hitchcock e Orson Welles — divertia-se contando detalhes de seus passeios noturnos com Chaplin. Estreou nas telas, em 1942, na pele de um personagem inesquecível: o espião alemão que caía do topo da Estátua da Liberdade, em Nova York, no suspense Sabotador, clássico de Hitchcock. Foi forçado ao ostracismo, logo depois, perseguido pela lista negra do macarthismo, acusado de ligações com o Partido Comunista. Em 1989, alcançaria imenso sucesso como o implacável reitor universitário em Sociedade dos Poetas Mortos, papel que o faria renascer para o público. Morreu em Los Angeles, em 11 de maio, aos 106 anos. Atribuía a longevidade a um segredo: “Evitar pessoas desagradáveis”.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738