Memória: Mercedes Barcha e Jorge Zalszupin
A primeira leitora de García Márquez e um ícone do modernismo

Gabriel García Márquez (1927-2014) via o mundo pelos olhos da mulher, Mercedes Barcha. Era ela, segundo o Nobel de Literatura colombiano, quem fazia a vida real andar — âncora para as viagens mentais e o desleixo cotidiano do mestre do realismo fantástico. Em sua autobiografia, Viver para Contar, ele narra um episódio com aparência de ficção, mas e daí? É bom demais para ser desdenhado. García Márquez conta que no dia que terminou o manuscrito de Cem Anos de Solidão, nos anos 1960, ele e a mulher foram a uma agência de correio da Cidade do México para enviá-lo à editora na Argentina que demonstrara interesse pelo livro. Um funcionário pesou as folhas datilografadas e disse que a remessa custaria 83 pesos. O casal tinha somente 45 pesos. Os dois decidiram então enviar metade da obra, a parte que poderiam pagar. O restante iria depois. “Então fomos para casa e Mercedes pegou as coisas que faltava penhorar”, disse Gabo. Ela empenhou o aquecedor, seu secador de cabelo, a batedeira. Aborrecida, mas esperançosa e um tanto irônica, disse ao marido: “Agora só falta o romance ser ruim”. O resto é história.
García Márquez e Mercedes foram casados durante 56 anos e tiveram dois filhos, Rodrigo e Gonzalo. Era ela quem lia a primeiríssima versão a máquina dos trabalhos do escritor. “Meu signo é peixes e minha mulher, minha esposa, é Mercedes. São as duas coisas mais importantes que me aconteceram na vida, porque graças a elas, pelo menos até o momento, consegui sobreviver escrevendo”, disse em 1973. Mercedes morreu em 15 de agosto, aos 87 anos, de causas não reveladas, na Cidade do México.
Um ícone do modernismo

Nascido na Polônia e exilado na Romênia, para onde a família fugiu do Holocausto, Jorge Zalszupin cedo foi atraído pela arquitetura e pelo mobiliário ao ter nas mãos um pequeno livro com desenhos e comentários de Le Corbusier. Não tardou para se interessar pelo movimento modernista brasileiro que culminaria na Brasília imaginada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A viagem para o Brasil, em 1949, era o destino natural de seus anseios — e aqui ele faria carreira de reputação internacional. Sua fábrica de móveis, a L’Atelier, fundada em 1959, em São Paulo, viraria ímã incontornável da elegância feita em madeira, de mãos dadas com os traços de Niemeyer. Sua obra mais conhecida é a Poltrona Dinamarquesa, homenagem aos mestres escandinavos Hans Wegner e Finn Juhl, mas de inspiração brasileiríssima. As curvas dos braços e as pernas finas e estreitas lembram alguns dos detalhes arquitetônicos do Palácio da Alvorada. Zalszupin morreu aos 98 anos, em São Paulo, em 17 de agosto, de causas não divulgadas pela família.
Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701