
Bastava ter algo a dizer, uma boa história para contar, nem precisava ser muito famoso, e pronto, haveria espaço para sentar-se à frente de Larry King, um dos mais celebrados entrevistadores da história da televisão. Em mais de meio século de carreira, ele conversou com cerca de 50 000 pessoas — todos os presidentes americanos desde Richard Nixon, atrizes e atores, reis e rainhas, homens de negócios, vigaristas, especialistas em objetos voadores não identificados etc. Começou com um programa de ligações telefônicas na Flórida, nos anos 1950 (daí o absurdo número de pessoas com quem trocou palavras ao vivo), e fez fama com o Larry King Live, na CNN, distribuído globalmente. Numa única semana, nos anos 1990, entrevistou Margaret Thatcher, Mikhail Gorbachev, o executivo Lee Iaccoca e Michael Jordan.
Ele mesmo, aliás, daria um excelente personagem para conversa — o menino do bairro nova-iorquino do Brooklyn que nunca foi para a faculdade, começou a carreira entregando jornais e se tornou um dos rostos mais conhecidos do mundo, sempre de roupas extravagantes e óculos de lentes grossas. King, a rigor, inventou um jeito de fazer jornalismo, ao combinar o rigor da informação com o bom humor e o tom aparentemente despreocupado, mas incisivo, afeito a quebrar barreiras. “Nunca me considerei um repórter. Sou a revista de um jornal, tentando entreter e informar”, dizia a respeito de seu sucesso. Ele morreu em decorrência da Covid-19, dia 23, aos 87 anos, em Los Angeles. Tinha sérios problemas cardíacos e não resistiu ao vírus.
Testa de ferro por acaso

O roteirista americano Walter Bernstein se autodefinia como “um judeu secular e amoroso de convicção esquerdista”. Era um dos mais respeitados autores do cinema de Hollywood. Transformou as linhas de sua vida, perseguido pelo macarthismo dos anos 1950, em um clássico, Testa de Ferro por Acaso, de 1976, dirigido por Martin Ritt. O filme conta a história de um roteirista (Zero Mostel) que entra para a lista negra promovida pelo senador McCarthy e fica proibido de assinar roteiros, recorrendo a um amigo que trabalha num restaurante (Woody Allen) para assumir o papel de laranja. Bernstein tinha 101 anos e ainda escrevia. Morreu de pneumonia, em Nova York, em 23 de janeiro.
Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723