Marcelo D2: “Falo sobre maconha com meus filhos”
Aos 54 anos, o músico carioca lança o 1º álbum de inéditas de Planet Hemp em 22 anos e explica por que voltou a cantar sobre a legalização da erva
No disco Jardineiros (Som Livre), o Planet Hemp volta a defender a legalização da maconha. Houve avanços nisso nos últimos vinte anos? Avançamos. Hoje, há uma grande quantidade de pessoas no Brasil usando CBD, a maconha medicinal. Mas a questão da legalização recreativa, que mais nos afetava, ainda preocupa e não mudou muito. Os Estados Unidos legalizaram e estão fazendo fortuna. Enquanto isso, no Brasil negro favelado morre todo fim de semana em chacina policial. Em uma cidade como o Rio, todo mundo sofre, até a elite. Não adianta se esconder atrás de muros altos, porque continuará sofrendo. A paz não chegou.
Há projetos de lei para coibir ainda mais o uso da maconha no Brasil. A legalização está distante? Se a gente pensar que o Brasil foi o último país a adotar o ensino público no mundo, que fomos o último país a acabar com a escravidão, você ainda tem esperança de que a gente libere a maconha antes do Chipre ou da Tanzânia? Não vai rolar.
Em 1997, integrantes do Planet Hemp foram presos por apologia às drogas. Algo assim poderia voltar a ocorrer? O rapper Filipe Ret quase foi preso por isso dias atrás. A gente vê moleque na favela sendo preso com 2 gramas de maconha. Esses jovens mofam na cadeia por anos, empurrados para o crime. Não duvido de nada.
Como conversou com seus quatro filhos adultos sobre a maconha? Ninguém senta com seu filho e diz: “Você precisa tomar cuidado com o álcool”. Mas deveria. A educação se faz com exemplo. Minha relação natural com a maconha fez com que eles também tivessem uma relação assim. Nenhum dos meus filhos fumou maconha pela primeira vez comigo. Foram fumar com os amigos. É um trauma que eu tenho. Pô, eles são os filhos do Marcelo D2 e só vieram fumar comigo depois? Tentei ser um pai presente e o papo acabou vindo naturalmente.
O grupo Planet Hemp sempre se posicionou politicamente. Todo artista deveria ter essa postura? A manifestação política é importante para todo cidadão. Por exemplo: a Anitta faz entretenimento enquanto artista e se posiciona como cidadã. Isso é perfeito. Ela separa a Anitta cantora da Anitta cidadã. Não é obrigatório que todo mundo cante sobre isso. Mas uma artista do tamanho da Anitta e com a voz que ela tem não pode se omitir. Esse é o momento, sim, de emitir opinião.
Você é alvo frequente de ataques virtuais devido às suas opiniões. Como lida com isso? No início do governo Bolsonaro, eu estava na Holanda gravando um disco e um cara falou: “Você defende o socialismo, mas é capitalista”. Isso só por eu estar fora do país. Faço rap e uso cordão de ouro. Não sou socialista. O que falo é da falta de consciência de classe. Um gerente de banco que ganha 20 000 reais e acha que é da elite tem uma tremenda falta de consciência de classe. Ele não percebe que, se ficar sem o salário, está perdido.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812