“Quando quero me distrair leio Hegel e quando quero me dedicar [ao conhecimento] leio Corto Maltese”, disse uma vez o escritor italiano Umberto Eco (1932-2016), fazendo referência ao emblemático personagem criado pelo quadrinista italiano Hugo Pratt (1927-1995). Eco era um entusiasta da arte sequencial, tanto que dedicou tempo para escrever um ensaio, Apocalípticos e Integrados, que se tornou referência para quem quer estudar o assunto. Não surpreende, portanto, que uma de suas principais obras, O Nome da Rosa, tenha sido adaptada, tardiamente, por um dos principais nomes do quadrinho italiano, Milo Manara. A parte inicial da saga será publicada no início da semana que vem na revista Linus e traz um Guilherme de Baskerville, o abade que protagoniza a história, em contornos inspirados por Marlon Brando. O álbum completo sairá em março, na Itália.
Em conversa com o jornalista italiano Sandro Veronesi, publicada pela Linus e reproduzida no jornal italiano Corriere della Sera, Manara disse que quando desenha uma história em quadrinhos, faz uma espécie de casting, talvez mental, tentando encontrar o rosto certo para cada personagem. “Para O Nome da Rosa, tendo sido interpretado por Sean Connery [no filme de Jean Jacques Annaud], ou seja, um ator de grande carisma, grande presença e grande beleza, tive que procurar no panteão de Hollywood um ator que tivesse o mesmo carisma, e não consegui ninguém melhor do que Marlon Brando”, disse ele. Naturalmente, avisa ele, não é uma cópia de Brando, mas uma inspiração. “Guilherme é escocês e Connery era escocês, mas não tinha o nariz aquilino como na descrição de Eco para o personagem.”
Manara e Eco não eram exatamente amigos, mas conhecidos. O artista conta que, antes de travar contato com ele, deu para a sua filha Carlotta um original de seus desenhos – a pedido da então diretora de Linus, Fulvia Serra. Enviou à menina, que tinha cerca de 15 anos na época, uma das tiras – ele desenha em tiras e depois junta os desenhos em páginas — de HP e Giuseppe Bergman. “Maldição para mim, porque eu dei a ela uma tira ligeiramente erótica. Um pouco, não muito… (…) Algum tempo depois fui apresentado em uma ocasião, porque ele e Hugo Pratt eram amigos: ‘Ah, Manara, foi você que deu aquela tirinha para minha filha!’. Eu queria me enterrar, porque a decepção era evidente na voz dele. Embora muito aberto, ele gostava de A Chama Misteriosa da Rainha Loana; esse era o seu erotismo nos quadrinhos. Eu, por outro lado, era, digamos, bem mais básico…”