Lygia Fagundes Telles: A disciplina do amor
Escritora morreu em 3 de abril, aos 98 anos, em São Paulo

A precocidade era uma régua permanente na vida de Lygia Fagundes Telles. Aos 15 anos, em 1938, a filha de um procurador público e de uma pianista escreveu seu primeiro livro, a coletânea de contos Porão e Sobrado. Nas rodas literárias da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo — na sua turma havia seis mulheres e 94 homens — cedo aprendeu a incomodar o mundo machista. “Sempre fomos o que os homens disseram que nós éramos, agora somos nós que vamos dizer o que somos”, escreveu em seu livro de memórias, A Disciplina do Amor, lançado em 1980. O lema a acompanhou por toda a vida, na literatura, que a tornaria respeitada, mas também nas bancas jurídicas, como procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, carreira que seguiria de mãos dadas com a trilha artística.
Em 1954, com Ciranda de Pedra, o relato de uma mulher oprimida pelo marido, ela passou a ser vista com atenção e incômodo, ao desafiar as unanimidades e a misoginia. Em Antes do Baile Verde, de 1970, passeou por temas tabus, como a insatisfação conjugal e o adultério. Em As Meninas, de 1973, o relato de vida de três amigas universitárias, cutucou simultaneamente os militares da ditadura e os conservadores atávicos. Escrevia sobre política, mas queria mesmo era tratar de relações amorosas. Bem-humorada e irônica, sabia rir. Em entrevista à Folha de S.Paulo, indagada sobre sua louvada beleza, respondeu: “Eu era bonitinha. Mas, quando meu amigo Ives Gandra Martins falou, noutro dia, que eu era a mais bonita da faculdade, tive de lembrá-lo que éramos só umas sete ou oito mulheres. Convenhamos: não era uma vantagem tão grande assim”.
Simultaneamente popular e erudita — circulava com determinação entre intelectuais de São Paulo, como o escritor Mário de Andrade, o jurista e poeta Goffredo da Silva Telles Jr., seu primeiro marido, e o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, com quem viria a casar —, Lygia teria sua obra adaptada para a televisão, o que a levou a conquistar novos públicos, apesar do tom incisivo de sua obra, desafio aos lugares-comuns. Ciranda de Pedra teve duas versões em novelas da Globo — em 1981, com Eva Wilma no papel principal, e em 2008, com Ana Paula Arósio. A fama transportada aos folhetins de TV não diminuiu a grandeza de um trabalho delicado, que precisa ser revisitado. Disse a respeito de sua obra o crítico Antonio Candido: “Lygia Fagundes Telles sempre teve o mérito de obter, no romance e no conto, a limpidez adequada a uma visão que penetra e revela, sem recurso a qualquer truque ou traço carregado, na linguagem ou na caracterização”. Ela morreu em 3 de abril, aos 98 anos, em São Paulo.



















Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784