Lima Duarte: “A memória vai persistir”
Prestes a completar 91 anos, ator se reinventa nas redes sociais enquanto reflete sobre sua jornada na televisão e as expectativas para o mundo pós-pandemia
O senhor está isolado em um sítio desde o ano passado. Como tem sido esse longo período de confinamento? Eu faço aniversário no dia 29 de março. No ano passado, completei 90 anos e ia fazer uma festa, mas veio a pandemia e parou tudo. Fiquei sozinho. Montei uma sala de cinema particular, com uma TV grande, e fico vendo Netflix e Globoplay.
Nesse período, o senhor se tornou uma espécie de influencer nas redes sociais. O que está achando da experiência? Rede? Que rede? Não entendo nada disso. Meus filhos e netos que acharam que eu tenho muita história para contar e fizeram isso. Eles que gravam e postam, que apertam os botões. Minha relação com a internet é assim: de graça, de susto e de pavor.
Fazer os vídeos e ter a interação com fãs tem ajudado a amenizar a distância com o público? Sim, tem ajudado a superar este período trancado. Sobre o público, o carinho é maravilhoso. Um dia encontrei uma senhorinha que disse “gosto tanto do senhor”. Ela tinha tanta ternura nos olhos, e falei: “Nós envelhecemos juntos. Você no sofá e eu na televisão”. E é isso, fui passando na TV, as pessoas pensando: “Como tá velho esse homem, era bonito”.
O senhor é um ídolo da era de ouro das novelas. O período longe do trabalho o fez revisitar sua obra? As novelas são meu patrimônio. Thomas Mann diz que vivemos duas vidas. Uma é essa objetiva: nasceu, amou, trabalhou, morreu. A outra é a memória, que é mais longa. Eu tenho vivido muito na memória, lembrando da minha jornada na Globo, minha infância, minha mãe, lembranças e lembranças. Com quase 91 anos, minha vida já está acabando. A memória vai persistir.
A pandemia continua a assolar o Brasil. Como vê esse período? Eu vivi um tempo assim de incertezas quando acabou a II Guerra. Eu tinha 15 anos. Eu me fiz homem com a guerra de background. Na época, meu pai falou: “O que vai ser agora? Com 80 milhões de mortos, o mundo não vai ser o mesmo”. Foi então que ele arranjou uma carona e me falou para ir embora: “Não fica neste mato, vai enfrentar o mundo que vem aí”. Aos 15, cheguei a São Paulo com esse sentimento que temos hoje: que mundo vem agora? Estou preparado? A verdade é que ninguém está. Vamos viver e esperar acontecer.
Como estão os planos para o futuro? Tomei as duas doses da vacina e vou fazer Aruanas. A Globo já avisou que em abril vou gravar em Cubatão. Quero continuar trabalhando.
Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730