Kieran Setiya: “Precisamos ser realistas”
No best-seller 'A Vida É Difícil', filósofo pop do prestigiado MIT explica por que o excesso de positividade não é um caminho sábio na busca por vida plena
Por que o senhor diz que uma vida sem obstáculos não é boa? Há uma tendência disseminada na cultura pop e nas redes de propagar imagens de uma vida ideal, desviando o olhar das adversidades. O problema é que agir dessa forma, como grandes filósofos já sugeriam lá atrás, acaba trazendo frustração por ser irrealista. Ser feliz envolve enfrentar dissabores e enxergar o mundo como ele é, o que tanta gente evita nesta era da positividade.
O senhor corrobora a ideia de que o excesso de positividade é tóxico? Sim. A frase “vai ficar tudo bem” contém uma simplificação, já que para chegar lá é preciso reconhecer o que está realmente acontecendo de ruim. Essa consciência é ainda mais necessária em tempos de hiperconectividade. Saltar para o terreno da positividade sem ela pode se converter numa armadilha.
De que forma a filosofia ajuda as pessoas a lidar com as adversidades? A filosofia não é uma chave mágica, mas faz refletir sobre a temporalidade, algo útil para o bem-estar. Se você sente uma dor crônica, como é o meu caso, e mira o futuro distante sob essa perspectiva, terá ansiedade e se verá em um beco sem saída. Mas aí entra a compreensão de que cada dia deve ser vivido ao seu próprio tempo, um de cada vez. Pode soar pueril, porém é o caminho para se pautar por metas tangíveis, capazes de trazer mais satisfação.
Seu livro já foi classificado como filosofia de autoajuda. Concorda? Sou menos crítico ao termo do que muitos colegas acadêmicos. Até o século XVIII, filosofia era quase sinônimo do que hoje entendemos como autoajuda. Isso cabe para Platão, Aristóteles e para pensadores da Idade Média e do início do Iluminismo. O risco da autoajuda moderna é tentar encontrar soluções simplórias para tudo e confundir felicidade, que é um conceito mais abstrato, com o bem viver, este concreto.
Poderia explicar melhor essa diferença? A busca pela felicidade é contraproducente, já que esse estado de espírito surge de forma indireta, justamente como um subproduto do que chamo de bem viver. Isso, sim, deve ser perseguido e abrange a procura permanente por significado e conexão com o mundo ao redor.
A constatação de que a vida impõe constantes dificuldades não é pouco alentadora? Termino meu livro com um capítulo sobre a esperança, uma ideia com a qual tenho uma ambivalência genuína. Mas a considero essencial e, depois de muito estudo, cheguei à conclusão de que não é preciso ser otimista para encontrar esperança. Devemos é ser realistas.
Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825