‘Jovens gays vão se ver no filme’, diz autora de ‘Com Amor, Simon’
Livro sobre adolescente gay de Becky Albertalli chega aos cinemas neste mês
Becky Albertalli acertou em cheio: seu primeiro livro, Com Amor, Simon (tradução de Regiane Winarski; Intrínseca; 272 páginas; 34,90 reais, o impresso e 22,90 reais, o digital) teve direitos adquiridos e virou filme, com estreia agora em algumas cidades do país e no restante do Brasil no dia 5 de abril. A trama acompanha um jovem gay de 17 anos durante o Ensino Médio, que se apaixona por um colega de sala anônimo, com quem conversa por e-mail.
Formada em psicologia, a autora americana defende o surgimento de novas ficções com personagens LGBT. “Há muitas crianças que vão ver a si mesmas nesses livros e filmes. Eu mesma cresci sem ver certos aspectos da minha identidade representados na arte ou na mídia”, afirma em entrevista a VEJA. Ver-se representado, diz, dá força para o jovem assumir a sua singularidade. Ninguém é igual a ninguém, afinal de contas.
De fato, Becky diz ter recebido relatos de adolescente que assumiram a sexualidade para a família e amigos depois de ler o livro. “Eu recebo e-mails e mensagens nas redes sociais de pessoas que se viram no Simon e é muito especial, como uma autora, ter esse tipo de feedback.”
Com Amor, Simon, o filme, conta com os atores de 13 Reasons Why, Katherine Langford e Miles Heizer, e será protagonizado por Nick Robinson (Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros). A direção é de Greg Berlanti, produtor americano assumidamente gay, que trabalhou em séries de TV como Arrow, Flash e Supergirl.
Quando você decidiu mudar de profissão para se tornar escritora? Eu sempre quis escrever um livro, mas não achava realista para mim. Quando o meu filho mais velho nasceu, tirei uma licença maternidade extra, antes de engatar outro emprego. Eu estava em casa com ele e decidi tentar escrever o livro que sempre quis fazer. Esse livro acabou se tornando o Simon. Na questão de publicação, as coisas aconteceram rápido. E eu não voltei mais para o consultório.
Você trabalhava com adolescentes como psicóloga e agora escreve para eles. Sua conexão com esse público é forte? Eu não acho que isso seja uma coincidência. Eu sempre me senti conectada com adolescentes. Lembro muito da minha adolescência. Foi um momento importante da minha vida e, logo que me tornei psicóloga, comecei a trabalhar com eles. Eu os amo. Amo a paixão e a curiosidade deles, o jeito como eles veem o mundo.
Você tinha a ideia de escrever sobre um protagonista gay desde o começo? É um pouco difícil de lembrar, porque nunca pensei que esse livro seria publicado. Nem achava que terminaria de escrevê-lo. A escrita foi muito orgânica. Mas o Simon sempre foi gay.
A sua formação como psicóloga foi importante para a escrita do livro? Eu atuei como psicóloga por dois anos e foi importante no sentido de entender as dificuldades da comunidade LGBT e os problemas dos adolescentes. E ser uma psicóloga envolve empatia, tentar entender as pessoas, habilidades que usei como escritora. O que é importante enfatizar é que meus livros não são baseados em pessoas que atendi. Isso não me deixaria só com problemas legais, mas éticos também. É completamente errado. Eu nunca basearia meus personagens em uma pessoa real. Isso é algo que tento deixar claro. Simon não é inspirado diretamente em ninguém. Mas acho que, por ter trabalhado com homossexuais adolescentes e adultos, pude escrever o Simon com maior consciência dos problemas a que adolescentes gays estão mais sujeitos ultimamente, mas, certamente, não há uma inspiração específica.
É evidente o crescimento de livros e filmes que retratam a diversidade da comunidade LGBT. Por que você acha que isso está acontecendo agora? De um lado, é animador ver isso acontecer, mas, de outro, ainda está longe de como realmente deveria ser. Estamos vendo mais filmes sobre membros de toda a comunidade LGBT, mas muitos são apenas sobre a parte G da sigla. É claro que há exceções, mas muitas dessas histórias são sobre personagens brancos, de classe média. Para mim, o que é especial sobre o filme Com amor, Simon, é que, mesmo eu tendo escrito o livro como uma pessoa de fora, o diretor é um membro da comunidade. O Greg (Berlanti) pôde trazer novas nuances ao filme, que eu acho que adiciona tanto à história. Isso me deixa muito grata.
Qual é a importância de mostrar essa diversidade em livros e filmes? Há muitas crianças que vão ver a si mesmas nesses livros e filmes. Eu mesma cresci sem ver certos aspectos da minha identidade na mídia e eu sei que isso é realidade para muitas crianças. Há muitas comunidades que não recebem atenção. Uma das coisas que achei importantes quando estava escrevendo, e que a equipe responsável pelo filme também entendeu, é que personagens como Abby e Bram sejam negros. E no filme eles mostraram ainda mais diversidade do que no meu livro. Isso significou muito para mim, porque senti que eles realmente entenderam a mensagem do livro.
Como você sente a resposta do público ao livro? Na maior parte, é positiva. Eu tento evitar ler a respeito, porque tenho certeza de que há mensagens bastante negativas por aí. Mas, pelo que chega até mim, me sinto sortuda com os leitores que tenho. A audiência parece maior a cada dia, o que me faz pensar que as crianças estão se conectando com o livro. Muitos já me contaram que se inspiraram no Simon para sair do armário. E aqueles que vivem em lugares em que não é seguro se assumir tomaram Simon como amigo. Eu recebo e-mails e mensagens nas redes sociais de pessoas que se viram no Simon e é muito especial, como uma autora, receber esse tipo de feedback.
Em 2016, foi ao ar a primeira cena de sexo gay da TV aberta brasileira. O canal recebeu muitas críticas de pessoas que defenderam que crianças poderiam ter a sexualidade influenciada pela cena, embora a exibição tenha sido tarde. Como você avalia esse pensamento? Sempre há gente que de alguma forma não será receptiva. Espero que, com o tempo, a população em geral fique mais progressiva. As pessoas mais jovens são, geralmente, mais abertas. E as gerações mais velhas de hoje estão mais progressivas do que nunca. É importante continuar brigando pela representatividade, não importa o que as pessoas achem. Os argumentos de quem se opõe a dar espaço para a comunidade LGBT são ridículos. Se o raciocínio deles fosse lógico, ninguém seria gay, porque há tantos héteros na mídia.
Você já recebeu esse tipo de comentário pelo seu trabalho? Um pouco. Mas consigo aguentar. Se as pessoas querem reclamar de um livro que eu escrevi, por qualquer motivo, traga isso para mim. O que me incomoda é quando alguém reclama publicamente e fico pensando se os adolescentes vão ficar lendo esses comentários homofóbicos. Por sorte, isso não aconteceu muito.
Você teve acesso a algum tipo de pesquisa sobre a comunidade LGBT enquanto escrevia o livro? Quando era aluna de graduação e trabalhava junto à comunidade, coloquei como prioridade educar a mim sobre alguns desses problemas. No meu trabalho como psicóloga, continuei a juntar informações e pesquisas. Além disso, prestei atenção ao que estava na imprensa e no showbiz e às conversas nas redes sociais. Acho que tudo isso entra no guarda-chuva da pesquisa. Foi importante para mim também ouvir os membros da comunidade em suas próprias palavras, em vídeos do Youtube e blogs conhecidos.
O livro faz uma imersão no universo adolescente atual. Você sempre acompanhou esse mundo ou pesquisou para escrever? No meu trabalho, eu conversava com jovens o dia todo e acabei absorvendo um pouco deles. Estou nos meus 30 e algumas pessoas me perguntam como eu desenvolvi a voz de um menino de 16 anos, mas, para mim, foi natural.
O seu segundo livro, os 27 Crushes de Molly e o terceiro, Leah on the Offbeat, se passam no mesmo mundo do Simon, certo? Sim, o terceiro será uma sequência mais direta. Simon vs. A Agenda Homo Sapiens acontece no terceiro ano do ensino médio, o segundo livro ocorre no verão depois disso e Leah on the Offbeat se passa no terceiro ano do ensino médio. O Simon é um grande personagem nesse livro também, porque é o melhor amigo da Leah. Acho importante os adolescentes poderem ver uma amizade como essa nos livros e, agora, na tela também.
Qual foi a importância para você de explorar todos esses personagens? Foi importante fazer isso depois de escrever o primeiro livro, porque, no final do dia, é uma história de um grupo de amigos que crescem juntos. Dá para saber o que está acontecendo com a Abby ou com personagens menores. A Leah foi o último ponto de vista dessa história. Como eles estão terminando o ensino médio, eu senti que era o momento de concluir a história.
Você já assistiu ao filme Com amor, Simon? Sim, está perfeito. Acho que ele se sustenta sozinho. É um filme bem divertido, romântico e respeita bastante o livro.
Você colaborou com o roteiro de alguma forma? Chamaram os roteiristas da série This Is Us e eles fizeram um trabalho fenomenal no programa. Eles me mandaram diferentes versões e pediram a minha opinião, mas não tive muitos comentários a fazer, a não ser alguns “gostei muito disso”. Então, não posso tomar nenhum crédito pelo roteiro. Eu amei.
Você acha que o filme pode ter sequências como nos livros? Eu não faço ideia se isso é uma opção para o estúdio. A Fox 20th tem os direitos para qualquer adaptação de filme dos personagens, então está nas mãos deles. Mas ninguém mais pode fazer longas-metragens desses personagens. Eu assumo que eles não decidirão antes de ver como o Com Amor, Simon vai se sair. Eu não posso fazer nenhuma promessa.
Do seu período de trabalho como psicóloga, qual é a maior lição que você aprendeu sobre o período da descoberta sexual? Essa é uma pergunta muito difícil. A parte importante é que as experiências de cada pessoa variam, baseadas em quem são, na família, onde vivem… não é uma experiência universal. Não há uma idade certa. Algumas pessoas nunca se assumem e está bem. Outras pessoas se assumem, porque isso sempre foi bem entendido dentro da família. A história do Simon é apenas uma história.
Agora, também estamos falando sobre sexualidade fluida. O que você acha do uso de rótulos como “gay” ou “hétero”? Algumas pessoas se sentem muito desconfortáveis ao tentar se encaixar em rótulos, mas eles podem ser poderosos para outros. É uma experiência pessoal. Alguns, às vezes, usam os rótulos para encontrar a sua comunidade, o que os ajuda a entender o que estão vivendo. Para outros, os rótulos não se encaixam. Eu não sei como será no futuro e, com certeza, não tenho uma opinião de como deveriam ser os rótulos. O que eu acho importante lembrar é que as pessoas deveriam poder escolher os seus próprios rótulos. Você deveria estar no controle disso. Ninguém deveria fazer isso por você.