Ivald Granato: sexo, arte e rock’n’roll
Uma alentada retrospectiva prova que o brasileiro foi não só uma figuraça carismática — mas, sobretudo, um artista essencial de sua geração

No documentário Olé Olé Olé!, os Rolling Stones fazem um registro soltinho da turnê e das andanças da banda pela América Latina em 2016. Ao lado dos roqueiros ingleses, brilha um astro nacional: o artista plástico Ivald Granato. Amigo de longa data de Keith Richards e Ronnie Wood, Granato morreu alguns meses antes do lançamento, aos 66 anos — e ganha homenagem comovente. No meio do filme, surge com Wood no Beco do Batman, ponto turístico onde os grafites de rua são a atração principal, em São Paulo. Os dois também pintam no ateliê do artista. A nota surpreendente: “Ivald não fala nada de inglês, só ‘I love you’”, brinca o guitarrista dos Stones e dublê de pintor. Mas esse é o menor dos problemas: Granato interage com o gringo com a urgência encantadora de um xamã das artes. “Ali estavam um roqueiro que queria ser pintor e um pintor que queria ser roqueiro. Eles se entendiam”, diz a jornalista Alice Granato, filha do brasileiro.
A relação calorosa com os Stones, movida a arte e rock’n’roll, é um resumo da figuraça retratada na mostra My Name Is — IVALD GRANATO — Eu Sou, que entra em cartaz na sexta-feira 11 no Sesc Belenzinho, em São Paulo. A primeira retrospectiva de Granato desde sua saída de cena — ele sofreu uma parada cardíaca enquanto dormia, em julho de 2016 — abarca todas as facetas do artista eclético e febril nascido em Campos dos Goytacazes, no interior fluminense, e que reinaria na louca cena artística paulistana dos anos 70 e 80. O acervo de 500 itens inclui cadernos, desenhos, memorabilia, vídeos e fotos das performances que o tornariam célebre — como A Safada de Copacabana, em que ele se vestia de mulher para distribuir dinheiro falso na praia carioca, e Mitos Vadios, quando se uniu a outros artistas para denunciar o marasmo da Bienal paulistana.
Granato é, merecidamente, saudado como uma personificação brasileira da performance, forma de expressão tão típica da contracultura. Mas a mostra amplia a visão sobre sua arte: do fim dos anos 60 aos meses antes de morrer, o que unifica sua produção é a pintura. Como se pode ver em quadros ao vivo e nas galerias virtuais em que o espectador mergulhará com óculos 3D, Granato passeou da arte pop à abstração com notável coerência. Qualquer tentativa de criar cordões de isolamento entre as mil e uma atividades do artista seria errônea. “Na performance ou na pintura, ele é uma coisa só: há influência pop, cores e formas vibrantes — e, principalmente, movimento”, diz o curador Daniel Rangel.
Movimento é o que não faltava em sua vida pessoal. Ser quase monoglota não impediu Granato de frequentar as festas mais quentes de seu tempo, inclusive no exterior — onde foi amigo de baladeiros como a princesa alemã Gloria von Thurn e Taxis. As duas casas-ateliê que teve em São Paulo reuniam do tropicalista Gilberto Gil aos Titãs. E havia, claro, os Stones. Ele os conheceu nos anos 80 e ficou tão íntimo que passou um período na residência de Keith Richards em Nova York. Pintar e bordar era com ele mesmo.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655