Isaac Karabtchevsky: “Me sinto vivo regendo”
Aos 90 anos, o maestro conta como o exercício diário de se manter no palco lhe traz vida
A música sempre foi coisa séria para mim, desde a infância. Ainda pequeno, ficava olhando minha mãe, que havia sido cantora lírica em Kiev, na Ucrânia, realizar técnicas de respiração em frente à janela de nossa casa, em São Paulo. Ela foi grande fonte de inspiração para eu seguir esse caminho. Também com ela aprendi a cantar, fundamental para ser um bom maestro. Mas essa não é a única herança familiar decisiva que tive. Sou filho de judeus russos que fugiram da Europa na década de 1930 e no Brasil encontraram não só refúgio, mas uma acolhida para toda a vida. Daí o sentimento de profunda gratidão que tenho pelo país, ao qual sempre quis dar algo. E assim continuo, perto de completar 91 anos. Após atuar por décadas na Orquestra Sinfônica Brasileira, hoje estou firme e forte na Petrobras Sinfônica e na Sinfônica Heliópolis. E vivo de recomeços. Depois de ser homenageado por uma escola de samba do Rio de Janeiro, no início do mês assisti às filmagens de Isaac — Minha Vida pela Música, um documentário sobre minha trajetória.
Claro que sinto os efeitos do tempo. O esforço físico de reger uma orquestra é muito semelhante ao de um atleta. Tenho um problema na lombar pelo excesso de movimentos repetitivos executados por tanto tempo e poderia dar uma reduzida na carga. Quando envelhecem, vários maestros passam a atuar sentados, em uma cadeira elevada, e diminuem consideravelmente os gestos para se desgastar menos. Tenho inveja deles. Não consigo fazer o que talvez fosse o mais sensato. Para seguir do meu jeito, preciso ser disciplinado com a fisioterapia e conto com um personal trainer para me ajudar a garantir a flexibilidade muscular adequada para cada concerto. Cultivo ainda meus rituais, como me alongar em um colchão antes das apresentações e consumir açaí entre os ensaios, para manter a energia. Fora isso, nada mudou em relação à juventude. São as mesmas partituras, o mesmo ritmo de atuação. Não fico exausto, não. O trabalho me sustenta, me tonifica. Sempre foi assim.
Tive a primeira oportunidade de participar de uma orquestra no início dos anos 1950. Era um menino de 16 anos que tocava oboé, e só. Não pensava em seguir uma carreira de sucesso. O que eu realmente queria era transitar nesse meio, conseguir participar de orquestras e conhecer uma diversidade de culturas. E, ao longo desses mais de setenta anos de regência, foi o que eu fiz. Tenho orgulho de ter conquistado espaço na Europa, especialmente na Áustria, onde pude conduzir uma das principais orquestras de Viena, a Tonkünstler. Por toda minha ligação com o Brasil, porém, escolhi estabelecer minhas bases por aqui. Não me sentiria tão realizado em outro lugar que não fosse o meu país, mesmo com tantos palcos prestigiados na cena da música erudita internacional.
A relação com minha esposa, Maria Helena, com quem estou há mais de seis décadas, contribui para minha vida longa. Nos momentos mais belos e emocionantes da profissão, eu enxergo seu abraço, o seu carinho. Ter alguém tão próximo de mim com quem possa exercitar minha comunicação de forma tão plena me mantém ativo. Disso extraio forças. Outro impulso essencial vem do desejo que nunca deixou de me acompanhar de levar a música erudita ao grande público. Disseminar essa arte me revigora. Nossa população é profundamente musical. Vejo isso no rosto dos jovens em Heliópolis, egressos de uma comunidade carente, que cultivam um amor tão imenso pela música que me faz voltar no tempo. Me reconheço naquele entusiasmo. Quando ensaio com eles, falo: respirem, cantem. Lembro da minha mãe, daquela janela em São Paulo. A aposentadoria não passa pela minha cabeça. Em cima do palco, sinto a vida correndo pelo meu corpo.
Isaac Karabtchevsky em depoimento a Flávio Monteiro
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973
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