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Heitor Villa-Lobos e a Semana de 22: o Brasil conquista a música clássica

A apresentação do maestro na Semana de Arte Moderna de 1922 contribuiu para trazer elementos do folclore brasileiro ao reduto erudito

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 out 2021, 12h50 - Publicado em 29 out 2021, 12h44

O modernismo na música brasileira já estava presente no Brasil antes mesmo da Semana de Arte Moderna de 1922 ocorrer, com influências vindas, sobretudo da França, de compositores como Claude Debussy (1862-1918) e Erik Satie (1866-1925). Mas foi somente após as apresentações do maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e da pianista Guiomar Novaes (1894-1979), entre os dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, que o grande público percebeu que as mudanças de costumes propostas por aquele grupo de artistas iam além da literatura e da artes plásticas: a música clássica também beberia da vasta inspiração vinda da cultura e do folclore brasileiro. Cem anos após a Semana de 1922, ainda é possível ouvir os ecos daquelas apresentações. Parte das celebrações do centenário, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) terá uma programação especial no ano que vem com ênfase em obras daquele período, com o ciclo musical Clássico Modernistas. Ao todo, serão executadas 122 obras. O recorte se inicia em 1894, com Prélude à l’Après-Midi d’un Faune, de Debussy, marco inicial da modernidade musical. A Osesp também terá ainda o ciclo Viva Villa!, em que serão apresentadas mais de 20 peças de Villa-Lobos.

O maestro foi, indiscutivelmente, a principal figura da música na Semana de 1922. Ele já era um dos mais importantes compositores brasileiros à época do evento. Não por acaso, suas peças praticamente dominaram a programação, com o terceiro dia totalmente dedicado à sua obra. As peças dos franceses Claude Debussy, responsável por construir os alicerces da música moderna, e Erik Satie, um dos precursores de movimentos como o teatro do absurdo e o minimalismo, também foram apresentadas. “Como herança da semana, eu citaria a ruptura do academicismo e do tradicionalismo, além de uma incessante procura de valores que pudessem ressaltar a identidade brasileira”, explica o maestro Isaac Karabtchevsky, estudioso da obra de Villa-Lobos.

Os dois primeiros dias de apresentação na Semana de 22 entraram para a história por uma polêmica envolvendo a grande pianista Guiomar Novaes, conhecida por suas interpretações de Chopin. O desejo dos modernistas era que ela tocasse as paródias que Satie fez das obras de Chopin. Algo inconcebível para Guiomar. Embora tenha se recusado a colocar Satie no repertório, ela tocou Debussy, Blanchet e Villa-Lobos, o que agradou o público, mas nem de longe se configurou como uma atitude transgressora ou modernista. Ainda no segundo dia, Oswald de Andrade foi vaiado ao subir no palco do teatro após ter publicado um artigo no jornal em que criticava o compositor Carlos Gomes e sua ópera O Guarani. Neste mesmo dia, Mario de Andrade recitou também os poemas de Pauliceia Desvairada (que ainda não tinham sidos publicados).

O terceiro dia é, até hoje, o mais lembrado. Foi nele que a apresentação de Villa-Lobos entrou para a história não pela música e, sim, por uma prosaica confusão. De casaca, mas com um pé calçado com um sapato e outro com chinelo, ele foi atacado com vaias pela atitude, tida pelo público como desrespeitosa. Como se soube depois, a razão foi um calo inflamado no pé. “Em 22, Villa-Lobos já era senhor de uma linguagem própria e, infelizmente, nenhuma das sinfonias compostas a partir de 1916 estiveram presentes na semana. Se elas ali estivessem, teriam mostrado um compositor que era uma verdadeira esponja, ou seja, que assimilava e ampliava os valores estéticos de seu tempo”, explica Karabtchevsky.

Embora o compositor não tenha apresentado nada revolucionário na Semana de 22, a partir dali, Villa-Lobos passou a ser estudado também pelo prisma modernista. “Uma das manifestações mais importantes de Villa-Lobos nesse período foi a sua escrita orquestral. Eu diria que ele se tornou um compositor voltado para as suas raízes e utilizado do nosso folclore como seu alter-ego. A partir de então, suas composições ficaram marcadas para sempre pelos laços profundos com a terra brasileira.”

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