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“Harry Potter mudou minha vida”, diz designer brasileiro dos filmes

Eduardo Lima, 46 anos, saiu do interior de Minas Gerais para assumir a função nos sucessos de bilheteria

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 jun 2024, 12h20 - Publicado em 16 jan 2022, 08h00

Assisti ao novo especial de Harry Potter recentemente, o documentário, e foi uma experiência mágica. É bacana ver os atores citando coisas que eu vi acontecer. Entrei na saga no segundo filme, a convite da Mira, minha sócia no estúdio MinaLima, na Inglaterra. No início, era um estágio não remunerado de duas semanas, mas fui ficando. Entrei na equipe oficialmente no terceiro filme, e não saí mais. Nós éramos responsáveis pela parte gráfica da saga. Criamos o Mapa do Maroto, o jornal O Profeta Diário e todos os livros que aparecem nos filmes. Desenhei objetos que hoje são parte da cultura popular, mas eu não fazia ideia da dimensão que isso tomaria quando comecei. Sou de Caxambu, uma cidadezinha do sul de Minas Gerais. Diz minha mãe que meu irmão me chamava para jogar bola quando pequeno, mas eu preferia desenhar e ver filmes. Sempre gostei de contar histórias. Eu sonhava em sair do país, mas minha família nunca teve condições para bancar uma viagem desse porte. Aos 16 anos, fui morar no Rio de Janeiro com uma tia. Fiz o último ano do ensino médio por lá, antes de tentar uma faculdade. Eu queria fazer cinema, mas eram pouquíssimas vagas, então não passei. Fui cursar comunicação visual, uma área de que eu também gostava. Fiz PUC com uma bolsa de 75% e comecei a trabalhar na própria faculdade no segundo semestre, quando ganhei bolsa integral. Lá, conheci uma mulher chamada Virgínia Flores, que trabalhava com montagem de filmes. Com a ajuda dela, me tornei assistente de montagem e juntei dinheiro para sair do país. Meu sonho era ir para os Estados Unidos, mas eu nunca havia pisado em um avião e não falava quase nada de inglês. Quando fui comprar passagem, me disseram que seria difícil conseguir o visto, e sugeriram que eu fosse para Londres. Acho que a moça que deu essa ideia era uma bruxa e sabia que algo muito especial aconteceria.

Inicialmente, eu passaria três meses no país, mas me apaixonei pela cidade e fiquei por dois anos. Sou gay e cresci em uma época sem muita informação. Lembro de procurar “homossexualismo” no dicionário e a palavra ser descrita como doença mental. Acreditava que havia algo errado comigo, mas, quando cheguei a Londres, descobri muitos como eu. Foi uma libertação. Na época, eu trabalhava em bares, restaurantes e fazia faxina para me sustentar. Voltei para o Brasil determinado a tirar o passaporte português para voltar de vez para Londres. Nesse meio tempo, conheci uma diretora que me passou o e-mail da Mira. Ela sabia que eu queria morar em Londres e disse que tinha uma amiga que trabalhava no design de um filme infantil sobre um bruxinho órfão na Inglaterra. Na época, nenhum de nós sabia direito o que era Harry Potter, mas entrei em contato quando retornei a Londres, em 2001. Ela foi muito solícita e disse que começariam a produzir Harry Potter 2 e pediu que eu passasse no estúdio para apresentar meu trabalho. Quando nos encontramos, parecia que nos conhecíamos de outra vida. Ela me ofereceu um estágio e, como não era remunerado, gastei uma fortuna com táxi e metrô. Eu trabalhava ainda corrigindo formulários em uma empresa de marketing, e meu marido ajudava nas contas. Foi uma época apertada, mas acabei contratado. Lembro de falarem que meu portfólio era alegre e que Harry Potter precisava de cores. Eu poderia levar um pouquinho do Brasil para seu universo. Depois do sucesso de O Prisioneiro de Azkaban, a ficha começou a cair. Hoje, já são duas décadas dedicadas ao mundo bruxo, e eu não me canso da história — em janeiro, lançaremos pela Rocco uma nova edição de Harry Potter e a Câmara Secreta, com ilustrações inéditas. Harry Potter mudou minha vida. Não fiquei rico, mas sou afortunado pelas coisas que criei e pelo sorriso dos fãs. Soube de pessoas que se tornaram designers por causa do nosso trabalho. É emocionante fazer parte disso.

Eduardo Lima em depoimento dado a Amanda Capuano

Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772

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