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Giorgio Morandi, mestre da natureza-morta moderna, ganha mostra no país

O pintor italiano extrai beleza e humanismo de objetos comuns

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h48 - Publicado em 17 set 2021, 06h00

O grande prêmio da IV Bienal de São Paulo, em 1957, consolidou o prestígio internacional de Giorgio Morandi (1890-1964). Onde tantos pintores veriam consagração, contudo, o italiano enxergou apenas um terrível porre. Sem quase nunca sair de sua Bolonha de origem, o artista não veio ao Brasil para receber a honraria. A contragosto, deu as caras em uma cerimônia na embaixada do país em Roma para recebê-la — mas só proferiu um seco “grazie” (obrigado) e passou a vez para um crítico amigo discursar. Tudo muito compreensível, em se tratando de Morandi. Homem retraído e de pouquíssimas palavras, ele preferia consumir o tempo trancado sozinho em seu ateliê, burilando séries de telas com temática similar: cenas austeras que retratam garrafas e mais garrafas enfileiradas, em tons sutis. “Ele era muito alto e estranho. E se sentia exausto em eventos sociais: achava um gasto de energia que poderia usar no trabalho”, diz o curador italiano Gianfranco Maraniello.

Giorgio Morandi: Late Paintings

Diante da estupenda retrospectiva O Legado de Morandi, constata-se o valor de sua relação obsessiva com a pintura. Das paisagens estranhamente abstratas às famosas composições com garrafas, um signo inconfundível une as 34 obras do artista que poderão ser vistas a partir de quarta-feira 22 no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo (e devem aportar no Rio em dezembro). Na algaravia das vanguardas do século XX, Morandi trilhou um caminho absolutamente individual: devotou-se à missão algo paradoxal de captar rastros de vida e humanismo onde isso parece mais improvável, os objetos do mundo inanimado. Com sua labuta nos pincéis, o caladão bolonhês alcançou esse verdadeiro milagre, como se pode conferir na primeira grande mostra internacional da reabertura pós-vacinação — por ironia, parte da programação da edição 2021 da Bienal, o evento com que Morandi teve relação conturbada.

CHEIO DE MANIAS - Morandi e uma de suas paisagens abstratas: obsessão por controlar o que se dizia sobre seu trabalho -
CHEIO DE MANIAS - Morandi e uma de suas paisagens abstratas: obsessão por controlar o que se dizia sobre seu trabalho – (Istituzione Bologna Musei/Museo Morandi; Imagno/Getty Images)

No início da carreira, nos anos 1910, Morandi chegou a expor numa exposição organizada em Roma por uma barulhenta vertente modernista, o futurismo. Em vez de seguir pela iconoclastia, no entanto, ele abraçou a temática intimista que renovaria um gênero caro à pintura, a natureza-morta. Focava seu olhar em espartanos conjuntos de objetos que, na superfície, são muito parecidos — mas, nos detalhes, revelam um mundo de diferentes sensações e transmitem a ideia de atemporalidade. Um atrativo da mostra é iluminar seu cerebral método de trabalho. “Morandi agrupava os objetos sobre uma folha de papel, na qual demarcava suas posições”, diz o curador Maraniello. “Ao fazer milimétricas mudanças de lugar, produzia novos efeitos de luz e sombras.”

The Flowers of Giorgio Morandi
Giorgio Morandi. Obras, escritos, entrevistas

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Se era um pintor cheio de manias, sua vida pessoal não ficava atrás. Morandi vivia com três irmãs — todos solteirões. Quando não estava no ateliê, seu esporte preferido era monitorar — com truculência — o que se dizia sobre sua obra. É célebre a história de um jovem crítico que tentou o suicídio após dedicar anos a uma monografia sobre Morandi — e o próprio vetá-la, por odiar ser analisado à luz da história da arte. Embora esperneasse, ele não escapou de ter seu lugar de honra nela.

Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756

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