Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

‘Fiz para espantar a tristeza’, diz doador de coleção de arte de R$ 1 mi

Fernando Cacciatore de Garcia entregou suas preciosidades ao Museu Nacional

Por Tamara Nassif Atualizado em 4 jun 2024, 13h31 - Publicado em 25 jun 2021, 06h00

Tive a sorte de crescer em um ambiente embebido em cultura. Da infância, lendo obras de Monteiro Lobato, como O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules, até ser apresentado ao Iluminismo, desenvolvi um interesse especial pela Grécia e pela Roma antigas. Inspirado pelo meu tio-avô Oswaldo Aranha, diplomata no governo de Getúlio Vargas, optei por seguir, também, a carreira diplomática. A função me permitiu ampliar o gosto por esse passado que tanto me atrai. Em 1974, comprei minha primeira peça de antiguidade greco-romana. Enquanto meus colegas investiam em carros de luxo, eu comprava estátuas. Assim formei minha coleção, hoje estimada em 1 milhão de reais e composta de 27 peças, datadas entre 550 a.C. e 550 d.C. Agora, com alegria e sem medo, decidi doá-la ao Museu Nacional do Rio de Janeiro. Espero ver tudo ali na reabertura, prevista para 2022.

Tem um ditado que diz: “Casa roubada, trancas à porta”. Ou seja, a instituição, tomada por um incêndio em 2018, terá um sistema anti-incêndio que vai respeitar a arte que abriga. Por isso sei que será uma boa casa para minhas peças. Sempre tive uma relação afetiva com o lugar. Minha família, italiana de sangue e gaúcha de tudo, é de uma intelectualidade imensa. Meu pai, por exemplo, Hamílcar de Garcia, foi diretor da Editora Globo de Porto Alegre, e, por isso, minha casa era frequentada por figuras como Erico Veríssimo e Mário Quintana. Eu me mudei com minha família em 1953 para o Rio de Janeiro, aos 8 anos, e fomos de um bairro chamado Tristeza para Ipanema, que não tem nada de triste. Meu pai nos levava com frequência à Quinta da Boa Vista, onde está o Museu Nacional. Quando aconteceu o incêndio, fiquei desolado, abatido por muito tempo. Até que tive o estalo de doar minha coleção para compensar um pouco da perda do acervo. Doei para espantar a tristeza, e acho que foi em boa hora.

As peças foram adquiridas ao longo das minhas viagens, de Paris e Londres a Nova York e Amsterdã. Uma das minhas favoritas é a estátua de deus Baco menino. É estupenda, digna do Louvre, inteira de mármore com guirlandas de uvas e folhas de parreira, datada do século I a.C. Foi o preço de um carro, mas um ótimo negócio: um se desvaloriza a cada ano, o outro só se engrandece. Terminei de formar minha coleção em 2004 e logo me aposentei. Saí de cena com um cargo abaixo do de embaixador, e passei a escrever livros.

Solteiro, sem filhos e idoso, hoje com 77 anos, comecei a pensar no que faria com as minhas peças. A princípio, o herdeiro é meu sobrinho Pedro, um rapaz magnífico, mas que não tem compromisso com a minha coleção. Justamente por isso, ele poderia vendê-la para um museu de Nova York e ter 1 milhão de reais no bolso. Mas colecionadores não querem suas peças desbaratadas ou vendidas.

Uma das razões que motivou a doação é que acredito nas instituições do país, na cultura e no convívio harmônico entre nossas raízes europeia, negra e indígena. A Europa nos deixou o imenso legado das instituições, universidades, filosofias. O pensamento lógico veio de lá. A nossa raiz branca está sendo vilipendiada em relação às demais. Hoje em dia, há uma patrulha muito grande em relação a pessoas que pensam como eu, criticadas por defender a cultura branca, pois os europeus foram colonialistas. Não é sobre isso. A principal contribuição do Brasil ao mundo é a convivência harmônica das nossas três raças, e isso tem raízes no Iluminismo — e, logicamente, no Museu Nacional. Doei para recuperar o acervo, mas também para seguir o exemplo de Oswaldo Aranha. Quis fazer algo grande, digno de um familiar dele, e por isso me desprendi das relíquias. Não acho que foi um exagero. Fiz pelo museu — e fiz por mim.

Continua após a publicidade

Fernando Cacciatore de Garcia em depoimento dado a Tamara Nassif

Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.