Fim do conto de fadas: a venda de Neverland, onde viveu Michael Jackson
O rancho em que o astro pop, segundo investigações, abusou de crianças, saiu por 'apenas' 22 milhões de dólares
Muito antes de se tornar o rei do pop, o americano Michael Jackson teve um sonho de infância: morar em um paraíso terrestre. Para ele, a representação perfeita desse ideal seria uma lugar distante dos centros urbanos, rodeado de florestas e onde ele pudesse usufruir tudo que o dinheiro pudesse comprar. O lugar, no imaginário do jovem Jackson, teria brinquedos de parques de diversão (roda-gigante e carrossel) e um míni zoo com diferentes espécies animais (elefantes e orangotangos). A mansão em si, além de luxo e sofisticação, abrigaria passagens secretas e esconderijos. Com o sucesso, e os dólares que vieram a reboque, o cantor realizou o desejo infantil. Ele se materializou na forma do Rancho Neverland (referência à Terra do Nunca, de Peter Pan), propriedade imensa, em Santa Bárbara, na Califórnia. Foi lá que Jackson viveu durante dezessete anos até pouco antes de sua morte, em junho de 2009. Neverland entrou para a história como uma das residências mais suntuosas jamais vistas, mas também pela má fama que a acompanhou, palco das esquisitices de Jacko. Agora, depois de muitas reviravoltas, o rancho encontrou um final honroso.
Há alguns dias, o bilionário americano Ron Burkle, dono de redes de supermercados, firmas de investimento e de um time profissional de hóquei, comprou a mansão por 22 milhões de dólares, valor incrivelmente mais baixo do que os 100 milhões de dólares pedidos pelos antigos proprietários. Eles cederam por uma simples razão: o conto de fadas de Neverland tinha virado um filme de terror.
Tudo começou em 2003, quando o rancho foi inspecionado pela polícia durante investigações de um caso de abuso de menores que tinha Michael Jackson como principal acusado. Os agentes apreenderam grande quantidade de material pornográfico e imagens de crianças nuas. Jackson foi absolvido em 2005, mas sua reputação — e a da mansão, que serviu, segundo as autoridades, de palco para a pedofilia — jamais seria resgatada.
A ruína na imagem de Jackson levou, como seria inevitável, ao seu declínio financeiro. Endividado, o astro não honrou um acordo que tinha com um fundo administrado pela Colony Capital, e acabou perdendo o imóvel. O curioso é que a Colony tinha entre os sócios Thomas Barrack, parceiro do ex-presidente americano Donald Trump em diversos negócios. Apaixonado pela casa, Jackson, numa jogada ousada, acabou associando-se novamente ao fundo de Barrack e, indiretamente, a mansão voltou a ser sua. Um ano depois, porém, o cantor morreu e deixou centenas de milhões de dólares em dívidas. O rancho, após desgastantes disputas judiciais, ficaria mesmo com a Colony Capital, mas a saga estava longe do fim. Por diversas vezes, a empresa tentou se livrar do mico, mas os interessados — em geral, bilionários árabes, russos e chineses — jamais honraram as promessas de fechar o negócio. Com o passar do tempo, o preço original de 100 milhões de dólares foi sendo reduzido, até que Ron Burkle decidiu oferecer 22 milhões de dólares à vista.
O novo proprietário pretende transformar o lugar em um clube privado, mantendo boa parte da estrutura construída pelo cantor, como as quadras poliesportivas, campo de futebol, piscinas e lagos. Os 22 edifícios serão convertidos em acomodações que poderão, por exemplo, receber atletas profissionais para a realização de treinos de pré-temporada. Depois da morte de Jackson, todos os brinquedos e animais foram retirados de Neverland, e ocasionalmente estrelas como a cantora Lady Gaga realizaram eventos no local. O sonho de infância de um dos maiores astros da história foi interrompido por seus fantasmas interiores. A partir de agora, a Terra do Nunca nunca mais será a mesma.
Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723