Festival Burning Man é o Woodstock da era ‘millennial’
Ruidosa edição 2019 ferveu o deserto americano na semana passada

Há cinquenta anos, o festival de Woodstock eternizou a geração hippie ao reunir milhares de cabeludos em uma área rural americana para ouvir rock’n’roll, rolar na lama e consumir drogas à vontade. Realizada de 25 de agosto a 3 de setembro, a mais recente edição do Burning Man atraiu quase 80 000 pessoas ao deserto do Estado americano de Nevada para curtir música eletrônica, flanar na areia — e, bem, consumir muita droga sintética. O evento, que está em seu 33º ano, não é bem um festival — seus organizadores preferem chamá-lo de “experimento social”. À maneira de Woodstock, contudo, nenhum outro acontecimento capta tão bem o espírito dos millennials, a geração que cresceu embalada na tecnologia e nas redes sociais.
O Burning Man nasceu em 1986 como ritual que unia o povo geek — os jovens executivos do Vale do Silício — e malucos em geral em uma praia de São Francisco. O ápice da festa era a queima do tal homem citado no nome do evento. O boneco em chamas foi ficando maior, assim como a concentração de festeiros — até que as reclamações da vizinhança obrigaram os organizadores a buscar outro endereço. Em 1990, eles encontraram no Deserto de Black Rock o lugar ideal para fazer barulho sem limites — e crescer de forma impressionante.

A cada versão, o Burning Man se transforma. Na área de 18 quilômetros quadrados, todo ano é erguida uma cidade em que se abrigam tendas, esculturas imensas, exposições de arte e tecnologia. O público fica em barracas ou em trailers. Em alguns deles, há intenso consumo de drogas e sexo livre. Neste ano, 58 pessoas foram presas por porte de entorpecentes e um homem morreu (aparentemente intoxicado). Mas isso não abalou o sucesso da balada. No final da festa, vem o êxtase: as estruturas monumentais são destruídas por chamas.
Nem tudo, porém, é alucinógeno no Burning Man. No meio de um cenário em que circulam casais com filhos, peladões e gente em fantasias inacreditáveis, topa-se com modelos, celebridades e a elite da era digital. Elon Musk, CEO da Tesla, já foi. Larry Page e Sergey Brin, do Google, também. Como em qualquer pedaço do globo onde há badalação, os brasileiros comparecem em peso. “Acordava cedo e pedalava minha bike para conhecer pessoas e obras de arte. É um lugar mágico”, diz a modelo cearense Lou Montenegro, que foi ao evento com seu noivo, o empresário Alvaro Garnero. Aos 32 anos, ela enfrentou o calorão no deserto exibindo seu físico impecável, com botas e biquíni preto.

O arrojo das estruturas, as fantasias e as máscaras para encarar tempestades de areia dão ao Burning Man um ar de Mad Max. Nesse cenário quase pós-apocalíptico, os participantes seguem mandamentos típicos das preocupações millennials. Embora se paguem em média 425 dólares para entrar, lá dentro o dinheiro é vetado. As pessoas levam sua comida e itens para “escambos”. Também precisam recolher seus resíduos. “Eu dava barrinhas de proteína a todos”, conta Lou. “Eles querem que você se desprenda do mundo para ser quem você é”, diz a produtora gaúcha Guta Vargas, de 26 anos, outra que compareceu à edição 2019.
Apesar do “desapego”, a carne é fraca: muitos vão ao evento para fazer cliques instagramáveis. “Amo tirar fotos, postar e receber elogios. Em cada canto tem luz bacana, obras maravilhosas e pessoas que representam uma parte muito importante da experiência”, conta o publicitário Marcony Leite, de 24 anos. Essa balada é fogo.










Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651