Fernanda Torres, sobre polarização nas redes: “Vivemos um surto coletivo”
Aos 57 anos, a atriz fala de seu novo podcast, em que famosos revelam suas músicas favoritas — e ironiza a obsessão pela intimidade na TV e nas redes
Após ser atriz, roteirista e escritora, o que a atraiu no convite para apresentar o podcast A Playlist da Minha Vida, da Deezer, em que músicos escolhem as canções que marcaram suas vidas? Ou você amplia seu horizonte ou é impossível existir no mundo hoje. Meu podcast é baseado em um formato criado pela BBC e convida as pessoas a falar de seus sentimentos e do que elas são profundamente por meio da música. Na última temporada da série The Crown, há uma cena da princesa Margaret participando do programa. Achei o máximo.
Se pudesse escolher uma música para retratar o Brasil atual, qual seria? Vingança, do Lupicínio Rodrigues, com o Roberto Jefferson cantando. Quando teve o mensalão, os repórteres foram para o prédio dele e, pela janela, o viram fazendo aulas de ópera e ouvindo Vingança sem parar.
Em diversas ocasiões a senhora se manifestou politicamente. Com a polarização atual do Brasil, não tem receio de ser hostilizada? Eu me posiciono politicamente apenas nas minhas colunas na imprensa. No começo, não tinha medo de escrever. A partir do momento em que comecei a ter medo, decidi não divulgar meus textos nas redes sociais. Não faço publicidade deles. Me pergunto: o que aconteceu com as pessoas? Estamos vivendo um surto coletivo. Não sei se vamos dar uma acalmadinha ou se vai piorar muito.
A senhora já disse que um ator dificilmente aceitaria participar de um programa como o BBB porque nas provas os participantes se agarram a postes com nomes dos patrocinadores. No entanto, temos visto cada vez mais artistas em programas assim. O que mudou? A maior commodity do mundo virtual é a vida íntima. Não só de atores, mas até de profissionais como médicos. O mundo vive essa transformação, e o reality show é a versão disso na TV aberta. A moeda de troca das pessoas é sua intimidade.
Nunca quis ser uma influencer? Deus me livre de ter milhões de seguidores. Não dormiria bem. Eu teria medo à noite. Não deve ser uma boa vida. Imagine ir para a cama com 30 milhões de pessoas seguindo você?
Apesar disso, seus trabalhos antigos na TV viralizaram e inspiraram memes. O que pensa disso? Dou graças a Deus cada vez que eu viro meme. Tenho a impressão de que terei uma sobrevida nesse mundo. Acho meme uma grande manifestação cultural.
Publicado em VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827