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‘Esse pecado eu não cometi’, diz Fafá de Belém sobre voto em Bolsonaro

Mais política que nunca em seu novo disco, a cantora fala de intolerância e do dia em que quis bater em um colunista social

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h24 - Publicado em 19 jul 2019, 06h30

Descoberta ainda adolescente em sua cidade natal, Fafá de Belém gravou ao longo da carreira tanto MPB refinada como sertanejo e vendeu quase 9 milhões de cópias de seus trinta discos. Sua imagem foi do cult ao brega — e, agora, volta a ser associada à música de prestígio. Humana, seu mais recente álbum, é um manifesto político, com letras que tratam de temas como insatisfação social e diversidade. As opiniões de Fafá são tão versáteis quanto sua veia artística. Embora não se declare eleitora de direita, ela diz que o PT errou. E aponta a polarização como um mal do Brasil atual — não muito diferente da intolerância que, afirma, a fez ser hostilizada por parte da opinião pública quando a então “musa” das Diretas Já apoiou a eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência, em 1984. Aos 62 anos, Fafá continua chamando atenção pela beleza exuberante e mantém discrição sobre a vida pessoal (conta apenas que está solteira no momento). Na entrevista a seguir, a avó de duas netas solta o verbo sobre política, Instagram e Lei Rouanet.

Seu novo disco inclui Revelação, sucesso politizado de Fagner dos anos 70. Uma canção daquela época tem algo a dizer sobre o Brasil de hoje? Sim. Ela se conecta muito com o tempo atual, em que as pessoas defendem bandeiras sem saber direito o que significam e cobram um posicionamento dos outros. Fiquei quieta durante o impeachment da Dilma (Rousseff) e o governo do (Michel) Temer, apesar de ter sido cobrada pela direita e pela esquerda. E vou continuar na minha agora.

Em quem votou para presidente? Muita gente acha que votei no Bolsonaro. Esse pecado eu não cometi. Justifiquei meu voto, porque estava em Belém e moro em São Paulo.

Não tem hoje preferência política? Nunca fui de direita, e o PT foi um partido que todos nós um dia abraçamos. Comemoramos no meio da rua a vitória do Lula. Mas essa fase foi tão complicada… (Os governos petistas) acabaram com a Petrobras. A esquerda passou por um processo de autofagia. Aí veio uma proposta completamente contrária. Somos hoje um povo separado pela ideologia.

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Por que isso é tão nocivo? A polarização nos separou como se fôssemos dois povos distintos. Canto Toda Forma de Amor, do Lulu Santos, porque a gente deve começar a olhar com mais simpatia um para o outro. Político se troca, religião cada um defende a sua, mas permanecemos um povo colorido e sorridente. Não sou de panelas, não sou de grupos. Eu quero ser livre.

O movimento Diretas Já transformou sua carreira? Foi o grande trabalho que fiz na vida. Mas já tentaram apagar minha importância no movimento. Uma série da Globo, Os Dias Eram Assim, ignorou minha participação. No comício da Candelária, no Rio, cantei Menestrel das Alagoas a mais de 1 milhão de pessoas. Mas, em vez de mim, a série mostrou Milton Nascimento cantando Coração de Estudante. Eu fiquei tão… Olha, foi falta de pesquisa, igno­rân­cia ou sacanagem.

Seus posicionamentos já renderam muito preconceito? A esquerda e a direita torceram o nariz quando apoiei Tancredo Neves para presidente, em 1984. O (colunista) Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997) falou tão mal de mim que eu queria pegá-lo de porrada. Fui impedida pelo Armando Nogueira (ex-jornalista da Globo, morto em 2010). Mas quando o (presidente) Fernando Collor sofreu impeachment, em 1992, eu e Armando fomos comemorar na casa do Roberto Irineu Marinho (sócio da Globo). Quando entrei, dei de cara com o Zózimo, que me perguntou se eu estava bem. Disse que sim porque ele não tinha conseguido acabar comigo. Terminou com o Zózimo me chamando de rancorosa e eu dizendo que ia quebrar a cara dele. Se não tivesse a turma do deixa-disso, eu ia mesmo bater no cara.

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Alguns atacam a Lei Rouanet e acusam artistas que a utilizam de querer viver à custa do Estado. O que pensa disso? Criou-se uma ideia de que assaltamos o Brasil. Vejo até pessoas de alto nível dizendo isso. É muito difícil para o artista fazer grandes shows sem a Lei Rouanet. Porque aqui funciona da seguinte maneira: a pessoa paga 3 000 reais para ver um artista estrangeiro, mas reclama se tem de pagar 300 para ver um brasileiro. Dizem que estamos roubando. Quarenta anos atrás, a verba saía da bilheteria. Hoje, pouca gente aposta num espetáculo novo.

A senhora fez um bom pé-de-meia? Tenho uma boa vida, ganho bem, adoro viajar e fazer grandes almoços. Mas essa coisa de guardar não sei quantos milhões nunca passou pela minha cabeça. Um dia desses, o motorista que me leva para os shows perguntou por que eu não tenho jatinho. Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano Veloso não têm jatinho. Roberto Carlos comprou um com cinquenta anos de carreira. Acho cafona ter jatinho.

Como é lidar com a fama? Minha vida privada é discreta. Festa em casa não tem esse negócio de filmar, senão ninguém bebe. Quando entrei no Instagram, diziam que eu não podia fazer as coisas que normalmente faço, que eu teria de estar linda e maquiada. Respondi: “Cara, não é a minha realidade”. Certa vez, cheguei de Natal às 5 da manhã e estava o pó da rabiola. Vi então uma mulher de cabelo escovado, com salto, calça branca sem dobrar, e postei que jamais conseguiria ser assim naquele horário. O post explo­diu em curtidas.

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Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644

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