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“Era música, sempre fora música”

Em seu mais recente álbum, o pianista Antonio Vaz Lemes recria com brilhantismo o Brasil descoberto e reinventado por Heitor Villa-Lobos

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 nov 2022, 13h33 - Publicado em 15 nov 2022, 11h53

Faz sol lá fora. Aqui dentro, na pequena sala de concertos da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, o sol brilha ainda mais. No piano, Antônio Vaz Lemes executa o prelúdio das Bachianas Brasileiras n.4 de Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Pessoas que caminham entre angicos-brancos e sibipirunas, árvores de porte médio, encostam nos janelões do casarão modernista a ponto de embaçar o vidro. E então, ao fim da primeira apresentação, Vaz Lemes explica o que tocou e o que tocará: uma dezena de peças de Villa-Lobos. “O Rachmaninoff dos trópicos, como alguém na Europa chegou a dizer”, afirma. “Mas o que os une, não é nem a música, mas o fato de serem compositores de países continentais, imensos”. As Bachianas, Cirandas e Cirandinhas, Saudades das Selvas Brasileiras – é Villa-Lobos, na interpretação delicada e a um só tempo enérgica de Vaz Lemes como tradução do Brasil. “É um passeio pelos tons de um país que precisa ser recuperado”, diz o pianista, que estudou com Gilberto Tinetti, discípulo de Villa-Lobos. Uma nota quase dissonante, na porção mais aguda do teclado, vem acompanhada de seu significado, como prelúdio do que virá do teclado. “Villa-Lobos quis mostrar o canto da araponga nas Bachianas – é Bach, mas é Brasil”, resume.

É também infância (“cai, cai, balão”…. “o cravo brigou com a rosa”…), é meninice, é maturidade, é a mistura de tudo, como anteviu o Manifesto Antropofágico de 1928 – “Tupi or not tupi, that is the question” – e como fariam os tropicalistas em 1968, ao beber de fontes diversas, inclusive de Villa-Lobos, misturando chiclete com banana. Vaz Lemes segue essa escola que amarra caminhos diversos, sem preconceito, ao divulgar, em suas redes sociais, o imperdível e viciante #pianoquetoca, canal que nos faz rir e chorar com o Hino do Flamengo de Lamartine Babo, a trilha sonora de Tubarão e Star Wars, John Lennon, Legião Urbana etc. O repertório do #pianoquetoca é infindável – sucessivas aulas, feitas de pequenos vídeos, em que cabe o acadêmico e o informal, o erudito e o popular, porque a música é como um liquidificador de culturas. Ou, como definiu Oswald de Andrade, irônico e preciso, o que vale é “a contribuição milionária de todos os erros”.

O concerto da Oscar Americano vai chegando ao fim com a linda Ária das Bachianas Brasileiras que Milton Nascimento pôs letra e recriou: “O mana deixe eu ir, o mana eu vou só/o mana deixa eu ir, para o sertão do Caicó/eu vou cantando com aliança no dedo/eu aqui só tenho medo do mestre Zé Mariano/Mariazinha botou flores na janela/pensando em vestido branco, véu e flores na capela”. Diz Vaz Lemes: “O Caicó veio antes de Milton, veio antes de Villa-Lobos”. Eis a beleza das canções que brotam do Brasil, um fio que se liga a outro, infinita e delicadamente, com direito à participação especial da cantora Verônica Valenttino, ela que influenciou Emicida a levar o rap para dentro do Teatro Municipal de São Paulo, como revela o documentário AmarElo – É Tudo pra Ontem, no Netflix.

Capa do álbum de Vaz Lemes:https://lami-usp.bandcamp.com/album/vaz-lemes-villa-lobos
(Divulgação/Divulgação)

Na trilha da estrada feita de bemóis e sustenidos, Vaz Lemes lembra de seu primeiro contato com a obra de Villa-Lobos pela peça Uma, Duas Argolinhas. “Lembro-me do meu encantamento pelo Villa, por combinar ritmicamente as duas mãos de maneira tão divertida. Lembro-me de permanecer exercitando essas combinações rítmicas fora do piano, enquanto fazia qualquer coisa”. Enquanto fazemos qualquer coisa, é o caso de ouvir o álbum recém lançado VazLemes VillaLobos lançado pelo LAMI, um projeto vinculado ao Departamento de Música da Universidade de São Paulo voltado para a difusão da produção de música brasileira, e que acaba de subir em todas as plataformas de streaming. É uma joia afeita a revisitar o maior de nossos compositores clássicos, fonte para a MPB. Vale lembrar um trecho da crônica escrita por Carlos Drummond de Andrade em homenagem ao maestro, em 1959, logo depois de sua morte: “Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casa, derrubando tudo; quando parecia chegado o fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então percebia que era música, sempre fora música.”

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O link para o álbum de Vaz Lemes:

https://lami-usp.bandcamp.com/album/vaz-lemes-villa-lobos

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