Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99

Em ‘Xingu’, os irmãos Villas-Bôas são heróis imperfeitos

Para o diretor Cao Hamburger, o filme que estreia nesta sexta-feira mostra que, sete décadas depois, a saga dos maiores sertanistas brasileiros continua atual

Por Carlos Helí de Almeida
6 abr 2012, 12h26

“Todo mundo tem como se identificar com os irmãos Villas-Bôas. Eles tinham 20 e poucos anos quando resolveram entrar para a Expedição Roncador-Xingu, em 1943. Estavam naquele momento da vida em que a gente está procurando o que fazer na vida, explorando suas vocações. Os Villas-Bôas se fizeram passar por analfabetos e foram explorar um território completamente desconhecido. Isso é uma metáfora boa para qualquer início de vida”

Em 1943, os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas deixaram o conforto de São Paulo para trás e se filiaram à Expedição Roncador-Xingu, ponta de lança do ambicioso processo de interiorização do Brasil do governo de Getúlio Vargas. No meio do caminho, conheceram a cultura indígena, e fizeram de sua defesa a missão de suas vidas.

Recuperada no filme Xingu, que chega aos cinemas brasileiros nesta sexta-feira, 6, a luta dos irmãos Villas-Bôas ganha contornos épicos nas mãos do diretor paulista Cao Hamburger, o mesmo de Castelo Rá-Tim-Bum e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias. Protagonizado por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat, o filme resulta de uma saga cinematográfica que consumiu cinco anos de seu diretor e expôs a equipe a desafios comparáveis, guardadas as proporções, aos enfrentados pelos irmãos sertanistas sete décadas atrás.

Para Hamburger, o filme mostra que as questões levantadas pelos Villas-Bôas continuam atuais. “Orlando Villas-Bôas dizia que eles não eram contra o progresso, mas contra o progresso que destrói. Divido essa opinião com ele. O Brasil está em posição de se tornar um pioneiro na condução de políticas não agressivas à natureza. Não é preciso destruir para progredir”, diz o diretor de 50 anos em entrevista ao site de VEJA.

Continua após a publicidade

Xingu nasceu de uma sugestão feita à produtora O2, de Fernando Meirelles, pela família Villas-Bôas. Em que momento você teve certeza de que não resultaria em um filme chapa-branca?

Foi uma condição que impus desde o começo, corroborado pelos produtores, de que a família Villas-Bôas não tivesse nenhuma interferência no projeto. A negociação sobre os direitos de filmagem foi nesse sentido. Eles não tiveram acesso ao roteiro e só assistiram ao filme duas semanas atrás. Era o único jeito de fazer, caso contrário viraria um filme de encomenda. Devo agradecer à família pela confiança em nós.

É um projeto para o grande público?

Todo mundo tem como se identificar com os irmãos Villas-Bôas. Eles tinham 20 e poucos anos quando resolveram entrar para a Expedição Roncador-Xingu, em 1943. Estavam naquele momento da vida em que a gente está procurando o que fazer na vida, explorando as vocações. Os Villas-Bôas se fizeram passar por analfabetos e foram explorar um território completamente desconhecido. Isso é uma metáfora boa para qualquer início de vida. Quando comecei a fazer cinema, não tinha ideia nenhuma do que era cinema, era um terreno desconhecido para mim.

Continua após a publicidade

Pessoalmente, com qual dos irmãos Villas-Bôas você se identifica mais?

Com o Cláudio, porque tenho a determinação dele, de ir até o final das coisas. Acho que o Fernando (Meirelles) me convidou por causa disso, porque é um projeto muito difícil, poderíamos tê-lo abandonado várias vezes. Fiquei encantado com a possibilidade de trabalhar com um personagem como o Cláudio, um cara introspectivo, culto, sensível, franzino, de aparência frágil, mas, ao mesmo tempo, o maior mateiro da expedição. Ele viveu os dramas, as ambiguidades e as contradições da vida, sofrendo muito. Já o Orlando era o cara da política, dos acordos, das relações públicas, muito pragmático. A obra deles só foi possível pela combinação dessas duas personalidades tão diferentes.

Leonardo, o caçula, sai da expedição por ter engravidado uma índia. Os Villas-Bôas são seus heróis imperfeitos?

Tenho um problema sério com essa palavra, mas, se tivesse que considerar alguém com herói, os irmãos Villas-Bôas estariam na minha lista. É possível falar sobre heróis sem estereotipá-los, sem mentir, sem mostrar apenas o lado politicamente correto da personalidade dos protagonistas. Acho que a possibilidade de descrevê-los como personagens tridimensionais, com conflitos e qualidades, só foi possível graças ao esse acordo que fizemos com os herdeiros dos irmãos.

Em que fontes o roteiro se baseia?

Do livro diário dos irmãos Villas-Boas, dos arquivos da família e de muitas conversas com pessoas que colaboraram com os três. E também de muitas conversas com os povos indígenas, porque, desde o começo, quis ouvir a versão deles. Entre aqueles povos, a história do Xingu é contada de pai para filho, de geração para geração, não é escrita. Foi a primeira vez que tive contato com uma sociedade de tradição oral. Fiquei impressionado com a precisão deles, as histórias que são contadas em uma aldeia é repetida na outra. Esse contato foi importante, porque os índios foram percebendo que poderiam confiar na gente, que não iríamos omitir coisas.

Continua após a publicidade

Vocês encontraram muitas discrepâncias entre as versões branca e indígena?

Não encontramos versões conflitantes, mas complementares. Muita coisa que não ouvimos aqui, ouvimos lá entre os índios. A cena do primeiro encontro entre os Villas-Bôas e os índios, às margens do rio Xingu, que mostramos no filme, já foi descrita por uma antropóloga como um mito, porque não há registros sobre o episódio entre os brancos. Mas, entre os índios, é um encontro antológico, cujo impacto se repete nas descrições das diferentes aldeias. Foi com eles que soubemos que o Cláudio deu uma arma ao índio Prepori para defender sua família dos seringueiros. Ouvimos isso do próprio filho do Prepori. A sequência em que mostramos o Cláudio montando o primeiro esboço do projeto do Parque do Xingu acolhendo sugestões com índios também foi contada pelo filho do Prepori. Outro personagem que encontramos pessoalmente foi a mãe do índio que Cláudio adotou como filho, e que foi morar com ele em São Paulo. Até hoje não se sabe se o garoto era filho dele realmente ou não, e o filme também não deixa isso claro.

Os Villas-Bôas lutaram a vida toda pela preservação da cultura indígena e da Floresta Amazônica, uma discussão muito atual. Qual a contribuição do filme para esse debate?

Acho que ele ganha mais significado agora. O filme tem essa característica, é uma história de época que está atual até hoje e, portanto, ainda não acabou. O Orlando Villas-Bôas dizia que eles não eram contra o progresso, mas que para crescermos não é preciso destruir e modificar tudo. Divido com eles um pouco desse pensamento. Já temos capacidade de progredir sem danificar a natureza. É mais lucrativo e melhor.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.