“Ele não nos representa”, diz Zezé Motta sobre Sérgio Camargo
Xingada pelo presidente da Fundação Palmares, a atriz de 77 anos diz que ele alimenta o preconceito enraizado na sociedade
O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, a chamou de “preta vergonhosa” por participar de uma campanha antirracista. O que sentiu ao ser alvejada? É desesperador ver uma pessoa tão sem preparo ocupando uma posição como a dele, de suposto defensor da cultura afrodescendente. Sérgio Camargo não nos representa. Ao contrário: alimenta tristemente o preconceito enraizado na sociedade.
Camargo afirmou que campanhas antirracistas acabam sedimentando o próprio racismo ao excluir os demais. O que pensa dessa linha de raciocínio? Não dá para olhar em volta, em nosso país, sem ver como ainda somos perseguidos. O negro é sempre suspeito. Não reconhecer isso configura um retrocesso. As barbaridades desse homem são de alguém que está deslumbrado com o poder e imerso em um mundo paralelo. É inaceitável.
Depois de mais de cinquenta anos de carreira, a senhora só agora deslanchou na publicidade. É um sinal dos novos tempos? Se eu não disser que não houve avanços, estaria sendo injusta. Temos uma geração de atores negros sensacionais conseguindo papéis de destaque. Um inspira e abre a porta para o outro ao mostrar que é possível quebrar barreiras. Mas bato na tecla de que o progresso a que estamos assistindo é tímido perto da urgência de mudarmos o olhar.
Ficou surpresa com os recentes convites para fazer propaganda? Sim, e isso me fez muito bem. Até então, tinha participado de uma única campanha, de uma cervejaria, sem grande sucesso. De repente, choveram convites.
Sofreu muito preconceito ao longo da vida? Na adolescência, morei em uma vizinhança com poucos negros. Minhas amigas me diziam que tudo era feio em mim: meu cabelo, meu nariz. Aí, passei a querer me embranquecer. Alisei o cabelo e até pesquisei sobre a operação de redução de quadris. Um dia, caiu a ficha. Aquilo era uma total negação das minhas origens.
Como foi essa virada? Foi durante uma viagem a trabalho para os Estados Unidos, em 1969, no auge do movimento “Black is beautiful”. Lá, os negros andavam com orgulho, de cabeça erguida. Apresentei uma peça sobre Zumbi dos Palmares com uma peruca chanel por cima do meu cabelo já alisado. No final, um grupo de jovens me questionou sobre eu estar querendo esconder minhas características. Fiquei constrangida, até que resolvi jogar a tal peruca fora e tomei um banho para desfazer o alisamento. Foi como um batismo para mim.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769