Eduardo Dussek: ‘A doença é ótima conselheira. É um fator de iluminação’
Cantor, compositor e ator de 66 anos convive há uma década com o Parkinson — sem perder o bom humor
No início dos anos 2000, estava muito estressado com a vida de cantor. Eram muitas viagens, shows e trabalhos com a produtora que havia acabado de montar. Eu era um workaholic. Os médicos haviam me alertado para reduzir o ritmo. Comecei a ter pesadelos constantes em que tinha de fazer uma gravação no alto de uma montanha e precisava levar o equipamento sozinho. O significado psicológico era evidente: estava sobrecarregado. Até que, há uns dez anos, comecei a sentir leves tremores nas mãos. Após me consultar com vários especialistas, veio o diagnóstico definitivo: tenho doença de Parkinson.
Na época, tomei a decisão de não ficar deprimido com o resultado. Não há cura, mas há tratamento contra os sintomas e era possível diminuir as causas dos tremores reduzindo o ritmo de trabalho e, claro, me medicando. O Parkinson causa vários problemas motores. Você perde bastante os movimentos das mãos e das pernas. Hoje, a doença está controlada e eu consigo andar, malhar, nadar e até andar de bicicleta, mas tudo sem exageros. Não posso me cansar. Falar e cantar me cansa muito, e tudo que exige atenção e concentração pode desencadear algumas crises. Sempre que fico ansioso ou estou atrasado em cumprir algum prazo, os tremores retornam. Descobri que eu deveria me preocupar menos e fazer coisas que me dessem alegria e contentamento, porque a dopamina ajuda a relaxar. Decidi optar pela pintura. Na juventude, estudei com meu pai, Milan Dusek, que era artista plástico. Depois, entrei na faculdade de arquitetura, que logo larguei para fazer música. Após a morte de papai, porém, eu assumi o estúdio dele, com os instrumentos, pincéis e tintas. E voltei a pintar.
Eu também comecei a fazer shows e palestras em associações de pacientes com Parkinson. Nesses encontros, costumo dizer que é preciso aceitar a doença, não só o Parkinson, mas qualquer uma que vá acompanhá-lo pelo resto da vida. A doença não pode ser encarada como algo ruim, e você não deve ficar se perguntando: “Por que eu?”. Essa pergunta soa meio ridícula. São situações que nos fazem ter mais conhecimento de vida. A doença é uma ótima conselheira. É um fator de iluminação. Não me vejo como um coitado. Sou um romântico incurável. Estou feliz, não tenho estresse: tenho amor e trabalho. As dívidas estão controladas. Não me aborreço com os problemas, nem me entristeço. Mudei-me da loucura do Rio de Janeiro para Niterói, perto de uma praia tranquila.
Nunca escondi a doença do público, mas nas últimas semanas, após ter feito uma participação especial no Altas Horas, da Globo, passei a receber uma enxurrada de afeto e mensagens positivas. Com o Serginho Groisman, eu senti o ímpeto de me abrir publicamente sobre a doença. Não quero que tenham pena de mim, porque não sou galinha. Cantei e dancei no programa sentado em uma cadeira de rodas, numa coreografia à la Charlie Chaplin, em homenagem ao meu grande amigo Ney Matogrosso. Foi um dia especial.
Sempre fui bem-humorado, e o alto-astral me ajuda a lidar com a situação. Se deixo um prato cair no chão, debocho de mim mesmo. Não deitarei numa cama para esperar a morte chegar. Esse é o caminho errado. Não sou herói, e a doença não é razão para desgraça ou júbilo. Não vou ficar fazendo a cabeça das pessoas para seguirem uma crença. Cada um tem a sua. Mas acredito na energia de se conectar com o universo. Mantenho a morte sentada ao meu lado esquerdo e sirvo drinques para ela. Um dia, ela vai se manifestar. Deixarei um vídeo gravado para ser exibido no meu velório. Estarei vestido de anjo e contando piadas. Não sou um palhaço, mas não tenho culpa se o mundo é uma piada. Não tenho data para morrer. Gosto de viver.
Eduardo Dussek em depoimento a Felipe Branco Cruz
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897