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‘Diários’ de Kafka: um mergulho na vida íntima do grande escritor

A bem-vinda edição nacional do livro permite conhecer a fundo um dos maiores e mais enigmáticos autores do século XX

Por Diego Braga Norte Atualizado em 4 jun 2024, 13h50 - Publicado em 14 Maio 2021, 06h00
TIMIDEZ - O escritor de A Metamorfose: insegurança e romances frustrados -
TIMIDEZ - O escritor de A Metamorfose: insegurança e romances frustrados – (Hulton Archive/Getty Images)

Poucos escritores são donos de obras tão poderosas a ponto de seus nomes virarem adjetivos; Franz Kafka é um deles. Por mais surrado que o atributo “kafkiano” possa estar, quando lido ou ouvido sempre “evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo”, na definição do Houaiss. Autor de uma das obras mais instigantes e enigmáticas da literatura, Kafka criou textos inclassificáveis e, talvez por isso mesmo, profundamente humanos e universais. Nascido em 1883, em Praga (então Império Austro-Húngaro e hoje República Tcheca), ele escrevia em alemão, mas falava tcheco nas ruas, e era um judeu numa nação majoritariamente católica. Um outsider nato — e fadado à apreciação global muito antes da globalização.

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Na definição do crítico americano Harold Bloom, Kafka é “o escritor central do nosso caos” e um dos dois “autores centrais do século XX” (o outro é Proust). Ler os Diários é visitar sua intimidade. As mais de 500 páginas — traduzidas por Sergio Tellaroli a partir de uma versão dos manuscritos originais e com bem-vindas notas de rodapé — compreendem o período de 1909 a 1923. Em 3 de junho de 1924, um mês antes de fazer 41 anos, Kafka morreu de tuberculose em um hospital próximo de Viena. Portanto, os escritos abrangem boa parte de sua vida adulta, dos 26 aos 40.

arte manuscrito

Suas anotações contêm de tudo um pouco. Há passagens mundanas do autor insatisfeito com a aparência (ele se achava baixo e franzino) e entediado no emprego (era um relapso funcionário do instituto de seguros contra acidentes de trabalho). Kafka expõe também sua vida cultural em Praga, impressões de viagens e livros que leu, relatos oníricos, sentimentos conflituosos pelo pai, a boa (mas esparsa) relação com suas três irmãs (Ottilie, Valerie e Gabriele). Há, ainda, encontros (na verdade, mais desencontros) amorosos, seu pêndulo entre o interesse e a indiferença pelo judaísmo, esboços e ideias de contos e romances. Em meio a reiterados sentimentos de culpa, emerge o pânico de todo escritor: o temor diante da página em branco.

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Solitário, depressivo e consciente de ser um esquisitão, Kakfa tinha poucos, mas fiéis amigos. Assim, ele via no casamento um modo de aplacar a solidão e ouvia de suas irmãs que só os casados são felizes. Mas, por um misto de interesse pelas mulheres e pavor, hoje ele seria, talvez, tachado como um “incel” (neologismo derivado de involuntary celibates, ou celibatários involuntários). O jovem Kafka admira as garotas, mas hesita em aproximar-se delas, em movimentos permeados por baixa autoestima, medo de que a vida conjugal prejudicasse sua carreira nas letras e timidez.

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Apaixonou-se à primeira vista por Felice Bauer após seu amigo Max Brod os aproximar, em 1912. Encontrou-a só algumas vezes (era um namoro a distância: a crush morava em Berlim), mas mantiveram intensa correspondência, com mais de 800 cartas entre 1913 e 1917. Próximo de se casar, o noivo desistiu. “Se F. (Felice) sente por mim a mesma aversão que eu sinto, então o casamento é impossível. Um príncipe pode se casar com a Bela Adormecida e até pior, mas a Bela Adormecida não pode ser um príncipe”, escreveu Kafka. Depois, ele se envolveria com Julie Wohryzek (sua segunda noiva, também abandonada), teria um amor algo platônico e epistolar com Milena Jesenská e, já debilitado no fim da vida, se aproximaria de Dora Diamant.

DIÁRIOS — 1909-1923, de Franz Kafka (tradução de Sergio Tellaroli; Todavia; 576 páginas; 99,90 reais e 29,90 em e-book) -
DIÁRIOS — 1909-1923, de Franz Kafka (tradução de Sergio Tellaroli; Todavia; 576 páginas; 99,90 reais e 29,90 em e-book) – (./.)

Nos diários, fica claro que Kafka era uma pessoa com voracidade pelas letras. Obcecado em ser escritor, ele tinha olhos apenas para os livros, frequentando saraus, teatros e eventos literários. Em vida, publicou só contos e nunca chegou a terminar um romance. As explicações para sua suposta incapacidade de finalizar um livro de fôlego são todas suposições. O fato é que, pouco antes de morrer, ele pediu a Max Brod que queimasse seus escritos, mas seu amigo, para o bem da humanidade, não lhe obedeceu. O argentino Jorge Luis Borges, descendente da verve kafkiana, escreveu que se o autor realmente quisesse dar fim a seu espólio, teria ele próprio queimado seus rascunhos. Faz sentido. E assim, obras-primas da literatura universal, como O Processo e O Castelo, foram publicadas postumamente.

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Ainda que caleidoscópica e mais solta, sua escrita nos Diários é sempre inteligente e provocante — seja fofocando sobre vidas alheias ou tecendo comentários filosóficos. E, claro, a vida do autor, com seu emprego burocrático e tedioso, repleta de dúvidas, sonhos e pesadelos (acordado ou dormindo), foi kafkiana.

Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738

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