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“Descobri a força da resiliência”, diz CEO do Cirque du Soleil

Stéphane Lefebvre fala sobre a crise e a reinvenção da companhia, que chega ao Brasil após exorcizar o fantasma da falência na pandemia

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h16 - Publicado em 9 set 2022, 06h00

O mês de março de 2020 tem um lugar entre as datas mais dramáticas da história recente — daquelas que suscitam questões como “onde você estava” quando a ordem estabelecida até ali veio abaixo. O canadense Stéphane Lefebvre, CEO do Cirque du Soleil, se lembra de forma vívida da fatídica semana em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a emergência do coronavírus como pandemia. Na época atuando como diretor financeiro da empresa, Lefebvre deparou com o inimaginável. “Em seis dias fomos de 1 bilhão de dólares de receita a zero”, disse ele em entrevista a VEJA (leia mais abaixo).

Backstage Cirque Du Soleil

Amparado por espetáculos presenciais, com aglomeração humana de ponta a ponta — ou seja: da plateia ao palco, com a interação de dezenas de artistas —, o Cirque du Soleil se tornou um símbolo mundial do baque que o setor do entretenimento sofreu nos dois últimos anos. A demissão de 95% de seu quadro de funcionários — mais de 4 000 pessoas — e a suspensão dos processos criativos em andamento, como o desenvolvimento de novos espetáculos, foram escolhas controversas feitas pela empresa. A dívida de 900 milhões de dólares era, ainda, um agravante que levou a maior companhia circense do mundo a uma recuperação judicial para evitar a falência.

Na mesma medida em que sua queda foi um susto, a volta por cima da trupe, agora, serve como vitrine de que o dito “velho normal” está, ainda bem, de volta. Retomando o ritmo de turnês, o circo acaba de desembarcar em São Paulo, onde fica até 27 de novembro, no Parque Villa-Lobos, antes de levantar sua tenda no Rio de Janeiro, em uma curta temporada, de 8 a 31 de dezembro, no estacionamento do Riocentro. O espetáculo eleito para ser encenado no Brasil é sintomático do recomeço. Lançado em 2018, mas inédito por aqui, Bazzar é uma homenagem à arte circense e aos primórdios do próprio grupo, que se apresentava nas ruas de Quebec, no Canadá, em 1984, conduzido pelo acrobata Guy Laliberté. O artista visionário (e um fanático por pôquer, com ganhos e perdas na casa do milhão) vendeu, em 2015, sua participação majoritária no circo por 1,5 bilhão de dólares. Hoje, Laliberté atua como um “amigo conselheiro” para Lefebvre — promovido ao posto de CEO na reestruturação da companhia, no fim de 2020.

Cirque Du Soleil – A Musical Collection

O processo de resgate passou pelo aporte de capital de 375 milhões de dólares de uma empresa canadense de gestão de investimentos. A verba deu novo fôlego ao Cirque. A crise, no fim das contas, fez com que a trupe ganhasse nova musculatura e maior flexibilidade — numa analogia do próprio CEO com os artistas da casa, que ostentam habilidades físicas extraordinárias. “Acho que eles não têm ossos”, brinca Lefebvre, que recontratou os funcionários dispostos a voltar.

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Não há dúvida de que esses artistas são a força motriz da companhia. O show Bazzar conta com mais de 100 pessoas de 23 nacionalidades, fora a estrutura que emprega 150 funcionários locais. A destreza sobre-humana dos acrobatas se revelou um ativo precioso para a companhia nas redes sociais — um legado do lockdown foi aumentar o consumo de arte na internet. No famigerado TikTok, o circo encontrou um filão que arrebanha milhões: a combinação de ensaios dos espetáculos, entre erros e acertos, com mensagens motivacionais sobre persistência. É preciso mesmo muito malabarismo para sobreviver. Confira a seguir entrevista com o CEO Stéphane Lefebvre.

LIDERANÇA - Lefebvre: ações drásticas para contornar as dívidas e fé na força da marca -
LIDERANÇA - Lefebvre: ações drásticas para contornar as dívidas e fé na força da marca – (Enric Fontcuberta/EFE)

Em 2020, o Cirque du Soleil entrou em recuperação judicial diante da possibilidade de quebrar. Quais são suas memórias daquele período? Ainda não tínhamos entendido a gravidade da pandemia. Numa segunda-feira, procurávamos um país para transferir o espetáculo que aconteceria na Itália — então muito afetada pela Covid-19. Na sexta, o mundo entrou em lockdown. Em seis dias fomos de uma empresa de 1 bilhão de dólares de receita a zero.

Como vê hoje as decisões seguidas naquela época? Tivemos de tomar atitudes dramáticas confiando na força da nossa marca. A mais difícil foi demitir milhares de pessoas, muitas delas pessoas queridas que trabalhavam conosco havia anos, e ainda por cima via Zoom. Foi a coisa mais difícil que fiz na vida.

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Como estão essas pessoas? A maioria foi recontratada. E, durante o lockdown, elas continuaram treinando e ensaiando, o que nos possibilitou retomar os espetáculos de onde paramos.

Quais lições aprendeu com essa crise? Descobri a força da resiliência. Tivemos muitas razões para desistir, mas não desistimos. Desenvolvemos novos músculos e ficamos mais flexíveis. Investimos no virtual e planejamos novas experiências presenciais.

A falência era de fato uma possibilidade? Não para mim, pois eu acreditava que encontraria investidores dispostos a injetar verba na empresa, como ocorreu. Meu receio era de que o público não iria voltar. Quando reabrimos em Las Vegas, em junho de 2021, os ingressos logo esgotaram. A pandemia nos fez valorizar o presencial.

Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806

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