Deborah Colker no Cirque du Soleil: ‘Espetáculo sobre as diferenças’
Chega ao país ‘Ovo’, montagem dirigida pela coreógrafa brasileira, sobre uma comunidade de insetos que precisa lidar com um estrangeiro

Foi no longínquo 2006 que a coreógrafa Deborah Colker, 59 anos, começou a “cozinhar”, como ela diz, o espetáculo Ovo, do Cirque du Soleil. “Chamam minha sala de criação de cozinha. Eu tenha que cozinhar meus espetáculos até encontrar o sabor do negócio”, diz a expansiva carioca. Com a montagem, que estreou em 2009 em Montreal, no Canadá, Deborah se tornou não só a primeira brasileira a dirigir uma peça da famosa companhia, como também a primeira mulher a ocupar o cargo na história da trupe.
Para isso, ela usou como ingredientes elementos da cultura nacional e de sua própria história – que, na verdade, é a de muitos brasileiros. “A trama acompanha uma mosca que chega em uma nova comunidade e causa estranhamento. É o que vemos acontecer desde que o mundo é mundo”, diz. “Meus avós são russos, logo eu sou imigrante. Tenho um neto que é uma criança especial. Estamos acostumados a encarar olhares de rejeição. De observar a reação do mundo em relação a alguém que, supostamente, não é como deveria ser. Mas como é que deveria ser, então? O que é normal?” Deborah ressalta que toda a ideia do espetáculo, que flerta com o infantil por suas muitas cores e personagens dignos de uma animação da Pixar, oferece, sem receios, a aceitação como moral da história. “É um espetáculo sobre as diferenças. Sobre respeito. Mexi com tabus para mostrar que o amor vence no final.”

Apesar de ter a brasileira à frente, o espetáculo demorou dez anos para desembarcar no Brasil. Quem primeiro recebe a trupe é Belo Horizonte, a partir desta quinta-feira, 7, até o próximo dia 17, no Ginásio Mineirinho. Em seguida, a montagem passa pelo Rio de Janeiro (21 a 31 de março, na Jeunesse Arena), por Brasília (5 a 13 de abril, no Ginásio Nilson Nelson) e por São Paulo (19 de abril a 12 de maio, no Ginásio do Ibirapuera).
Para conduzir os mais de cinquenta artistas que compõem a peça, Deborah, acostumada a lidar com dançarinos, precisou se adequar às habilidades de artistas circenses. “Dançarinos e acrobatas são de universos diferentes. Cada um tem a sua linguagem”, conta. “Em comum, todos tem a arte cênica. Estão no palco e vão contar uma história com o corpo e o movimento. Cada gesto tem um significado.”
Apesar da ampla experiência com o mundo dos palcos, Deborah ressalta que o trabalho foi árduo, especialmente por detalhes, como se fazer ser entendida por um grupo formado por artistas dos mais diversos países — durante os ensaios, os acrobatas se reuniam em grupos ao redor de tradutores, que transmitiam os direcionamentos de Deborah.
Para além do espetáculo, a agenda da coreógrafa é frenética. Deborah, que tem no currículo eventos como a abertura das Olimpíadas do Rio 2016, fará três anos de residência no centro cultural Southbank Centre, em Londres. A experiência vai começar com a apresentação de dança O Cão sem Plumas, inspirado no poema de mesmo nome de João Cabral de Melo Neto, que, depois de uma boa temporada entre Brasil e Estados Unidos, ganha vida na Europa. Em seguida, ela lança seu próximo espetáculo, chamado Cura. “A agenda está lotada. Mas meu trabalho diário é minha companhia”, conta Deborah, que é dona de duas escolas de dança e movimento no Rio de Janeiro. “Faça chuva ou faça sol, ali é meu ninho.”