Como funciona a fábrica de hits das animações da Disney
A canção-tema de 'Encanto', sua mais nova produção, entrou no topo das paradas
Família perfeita e abençoada com poderes mágicos, os Madrigal protegem há anos Encanto, um vilarejo nas florestas da Colômbia. A simpática adolescente Mirabel destoa do clã: é a única não dotada de alguma habilidade fantástica. Ao investigar o motivo, ela esbarra no misterioso desaparecimento de seu tio Bruno. Quando insiste em saber a razão da sina, a explicação é dada por meio de uma canção que mistura hip-hop com ritmos como salsa, cumbia e bachata. Tão misterioso quanto o sumiço do personagem é o impressionante sucesso da música We Don’t Talk About Bruno (Nós não falamos sobre Bruno, em português) nas últimas semanas. O tema da nova animação da Disney, Encanto, alcançou o primeiro lugar na bíblia das paradas americanas, a revista Billboard — feito que o estúdio não realizava havia 29 anos, desde A Whole New World, de Aladdin.
Encanto (Original Motion Picture Soundtrack)
Na busca pelas razões do êxito, depara-se com uma constatação típica dos novos tempos: We Don’t Talk About Bruno viralizou entre os jovens no TikTok, ferramenta incontornável para criar hits hoje em dia. Mas isso toca só num aspecto superficial da questão. A verdade é que o gigante do entretenimento sempre teve força para impor suas canções — e vem fazendo isso consistentemente desde 1989. Lançado naquele ano, A Pequena Sereia foi um ponto de virada. Até então, as músicas dos filmes da Disney eram orquestrações etéreas ou temas clássicos, como em When You Wish Upon a Star, de Pinóquio (1940). No fim dos anos 80, a empresa percebeu que as trilhas sonoras de suas animações não poderiam mais ser meros adereços nas tramas: elas precisariam se tornar parte orgânica do roteiro, como ensinavam os musicais da Broadway.
A partir daí, todas as músicas passaram a conter alta carga emocional (haja coros e orquestrações melosas) e a abordar temáticas mais bem delineadas (para dar ao espectador uma causa com que se identificar). A Bela e a Fera, Aladdin e O Rei Leão, que vieram depois de A Pequena Sereia, seguiram a mesma lógica, com canções inseparáveis da história e capazes de despertar sentimentos que transcendem a própria música. Não por acaso, todos se transformaram em musicais — o que tem tudo para se repetir com Encanto. A longevidade das canções da Disney, por sinal, é atestada pela popularidade em casamentos e festas infantis. Segundo um levantamento do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), nos últimos cinco anos as trilhas de produções do estúdio — incluindo o onipresente tema de Frozen, Let It Go — estavam entre as mais lembradas e tocadas nesses eventos.
Encanto – Quebra-cabeça – 120 peças
No caso de We Don’t Talk About Bruno, o sucesso vem embalado em singelas ironias. Apesar de bonitinha, a animação é das mais frugais da Disney nos últimos anos — ou seja, sua canção-tema revela-se maior que o filme. Além disso, a empresa fez Encanto com a clara intenção de reverenciar as plateias latino-americanas — daí o convite para Lin-Manuel Miranda escrever seu tema, já que o compositor personifica a força desse público na Broadway. Mas, embora traduzida para mais de vinte línguas (inclusive o português), We Don’t Talk About Bruno só fez sucesso até agora em inglês. Interpretada pelos seis atores que fazem as vozes dos personagens, a canção está em primeiro lugar no ranking do Spotify nos Estados Unidos e na Inglaterra e ocupa a oitava posição no mundo. Na América do Sul, contudo, não ultrapassou a 100ª posição — mesmo na homenageada Colômbia, figura em opaco 25º lugar. Abaixo do Equador, quem diria, ainda se fala pouco sobre Bruno.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775
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