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Com paralisia cerebral, rapper Renan Veit se expressa piscando os olhos

'Minha mente é pura música', diz

Por Ricardo Ferraz 24 out 2021, 08h00
Renan Veit -
Renan Veit – (./Arquivo pessoal)

Adotei o nome artístico de Morcego Branco Eficiente porque tenho a pele clara e passo noites sem dormir, mas também porque acho que ele resume a história da minha vida. Quando nasci, no Rio de Janeiro, minha mãe teve complicações no parto que me deixaram sem oxigenação por quarenta minutos. Os médicos acharam que eu ia virar um vegetal, mas estou aqui, resistindo, há trinta anos. Sofri uma paralisia cerebral que me impede de falar e de ter controle dos movimentos dos braços, pernas e tronco. Eles se mexem involuntariamente. Uso cadeira de rodas para me deslocar e até peço que me prendam com firmeza, para evitar que eu acabe ferindo as pessoas em volta sem querer. Preciso de ajuda para comer, tomar banho, me locomover e fazer as necessidades fisiológicas. Minha mente, porém, está totalmente preservada. E ela é pura música.

Crescer assim não foi nada fácil, mas consegui me desenvolver graças ao esforço de minha mãe, uma mulher que deixou uma família tradicional no Paraná para viver um grande amor no Rio. O desafio maior foi me fazer entender. Primeiro aprendi a responder sim e não com a cabeça e com o olhar. Mas só conseguia me expressar sobre o que me perguntavam. Tudo começou a mudar quando entrei em uma escola especial, onde fui apresentado a um método de comunicação alternativa. Com a ajuda da professora, selecionava letras e números escritos em uma tábua para formar frases. Era um processo lento e demorava horas para juntar palavras simples. Com o tempo, aprendi a piscar para designar letras do alfabeto: uma piscada, letra A; duas piscadas, letra B; e assim por diante. Aos poucos, esse método foi ficando mais apurado e hoje consigo passar rapidamente tudo o que penso e sinto. Foi desse jeito, inclusive, que respondi à entrevista que serve de base para este texto.

Depois de alfabetizado, comecei a frequentar uma escola regular. Minha mãe me acompanhava nas aulas e me ajudava a participar. Ela fazia de tudo para que eu levasse uma vida o mais próximo do normal possível. Quando ainda era criança, inventou uma adaptação para eu soltar pipa com os pés. Na adolescência, emprestava o carro para eu sair com meus amigos. Não poupava esforços por mim, era a minha rainha. Há oito anos veio a notícia mais triste que já recebi: minha mãe havia desenvolvido um câncer no pâncreas. A doença foi fulminante e ela morreu. Não consegui nem me despedir direito. Senti um baque enorme. Entrei em depressão e cheguei a tentar me matar, fazendo movimentos com a glote que pudessem me afogar. Felizmente, minha irmã me acolheu e passamos a morar juntos.

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O apoio da família é fundamental, mas o que me salvou mesmo foi a música. Havia conhecido o rap alguns anos antes e sempre gostei dos Racionais. Quando a morte da minha mãe completou um ano, fiz uma música em homenagem a ela e a partir daí comecei a compor como forma de me expressar sobre as coisas que sinto. Eu dito as palavras com os olhos e minha irmã anota. Também consigo agora escrever no computador com o uso de mouses adaptados que comando com os olhos e com o queixo. Mesmo assim, a tristeza ainda continuou sendo grande. A redenção veio quando um primo sugeriu que eu fizesse um rap para o Natal Azul, um projeto social mantido por ele. Produzimos a música com a ajuda de amigos e gravamos um clipe. Nele, um cantor interpreta minha composição usando uma máscara, como se eu estivesse cantando. Percebi que aí está meu futuro. Tenho mais de trinta raps prontos e espero que consiga lançá-los. Quero que todos saibam que as pessoas com necessidades especiais podem ser úteis à sociedade. Quem garante é o Morcego Branco Eficiente.

Renan Veit em depoimento dado a Ricardo Ferraz

Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2021, edição nº 2761

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