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Cientologia, uma crença de outra galáxia

Criada por um autor de ficção científica e auto-ajuda, a Igreja da Cientologia é a fé das celebridades

Por Tania Menai, de Los Angeles
3 jul 2012, 09h14

(Essa reportagem foi originalmente publicada na edição da revista VEJA de 27 de julho de 2005)

Imagine se o cineasta George Lucas criasse uma religião com preceitos tão mirabolantes quanto o enredo da série Guerra nas Estrelas. Ou se um guru de auto-ajuda inventasse uma seita em que seus bestsellers seriam elevados a escrituras sagradas. Imagine ainda uma junção dessas duas coisas. Pois algo bem parecido existe: a Igreja da Cientologia, crença que conquistou celebridades como os atores Tom Cruise, John Travolta e Juliette Lewis, o cantor de soul Isaac Hayes e Lisa Marie Presley, filha de Elvis. A cientologia foi fundada nos anos 50 pelo americano L. Ron Hubbard, autor de livros baratos de ficção científica e de obras de aconselhamento que alardeiam os poderes da mente. Morto em 1986, ele pregava que o homem é um ser imortal com capacidades espirituais ilimitadas, mas precisa “limpar” sua mente dos traumas que viveu nesta e em outras encarnações para desenvolvê-la. A cientologia admite que seus adeptos também sigam outras fés. Seu grande inimigo está em outro campo: são as idéias de Sigmund Freud e da psiquiatria moderna. Ela condena, por exemplo, o uso de remédios como os antidepressivos. Volta e meia, a religião entra na mira da imprensa e das autoridades americanas. Já foi acusada de fazer lavagem cerebral e explorar os fiéis. Mas a igreja conta com defensores em pontos tão estratégicos quanto o mercado financeiro e o governo americano. Além, é claro, de ter garotos-propaganda como Cruise. “A cientologia mostra como mudar uma sociedade na qual as pessoas são ensinadas a odiar”, disse o ator a VEJA numa entrevista precedida por um tour de cinco horas pela sede mundial da seita, em Hollywood.

A cientologia tem 8 milhões de seguidores em 150 países, segundo seus líderes – há quem estime, contudo, que o número não passa de 100.000. A maioria dos adeptos está nos Estados Unidos, mas a igreja vem crescendo internacionalmente. Isso é visível em eventos como a inauguração de sua nova sede na Espanha, no ano passado, num grande edifício de Madri. Ou nos 137 centros de recuperação de dependentes de drogas que a igreja mantém em 37 países – inclusive na periferia de São Paulo, seu principal ponto de referência no Brasil. “A cientologia tem pouco mais de cinqüenta anos e não pára de crescer. Por isso é atacada”, diz Lee Anne DeVette, irmã mais velha e relações-públicas de Tom Cruise.

O ator descobriu a igreja no começo da carreira. Diagnosticado como disléxico na infância, ele diz ter encontrado nela uma forma de superar o trauma. “É errado rotular crianças com qualquer doença psicológica”, diz ele. Nos últimos tempos, Cruise tem pautado suas aparições públicas pelo esforço de divulgar a cientologia – e levar adiante seus ataques sistemáticos a Freud e à indústria farmacêutica. Já discutiu por causa dela com dois repórteres da revista alemã Der Spiegel e com o apresentador americano Matt Lauer. Numa entrevista, condenou a atriz Brooke Shields por ter usado antidepressivos para tratar da depressão pós-parto (ela deveria ter se tratado à base de exercícios e vitaminas, sugeriu). Recentemente, Cruise voltou à carga numa entrevista à revista Entertainment Weekly. Sobre os livros de cientologia se referirem à psiquiatria como uma “ciência nazista”, saiu-se com esta: “Basta olhar a história. Jung (teórico da psicologia) foi editor de um jornal nazista durante a II Guerra Mundial”. A revista consultou um especialista na obra junguiana, Aryeh Maidenbaum, que qualificou de absurda a afirmação. A associação entre a psicologia e o nazismo tem mesmo alto teor de ridículo. Freud, afinal, era judeu e teve de fugir da Áustria para não cair nas mãos dos seguidores de Hitler. Outro que já disse e fez bobagens por causa de sua crença é John Travolta. Cinco anos atrás, ele protagonizou A Reconquista, um dos filmes mais deprimentes de todos os tempos. Ficção científica sobre ETs que escravizam os humanos, ele se baseia nas idéias da religião.

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Lee Anne ciceroneia pessoalmente os jornalistas que visitam o Celebrity Centre International – o centro que ocupa um palacete que nos anos 30 foi um hotel que abrigava estrelas de Hollywood. “Nossa intenção é mostrar a verdade sobre a cientologia, já que a imprensa mundial tem nos interpretado mal”, diz ela. Lá, os convidados têm de assistir a um DVD contendo um discurso do principal líder da seita, David Miscavige. Miscavige fala da importância das ações da igreja na educação, filantropia e direitos humanos. Discorre ainda sobre seu trabalho com presidiários e suas guerras contra a indústria farmacêutica e as drogas. A excursão pela sede da igreja inclui refeições agradáveis – e conversas idem com seus ministros. A certa altura, o jornalista é convidado a avaliar seu nível de stress. Ao fim do teste, um voluntário de plantão pergunta se a pessoa deseja “se abrir” sobre seus problemas.

A cientologia ostenta uma cruz como símbolo, mas esta nada tem a ver com o ícone cristão. Sua versão do mito da criação também destoa das que foram consagradas pelas religiões tradicionais – ela faz jus, e como, à imaginação de autor de ficção científica de Hubbard. Resumidamente (a história tem detalhes obscuros, guardados como “revelações” pela igreja), cada pessoa abrigaria em seu corpo uma espécie de conglomerado de espíritos alienígenas – parte de uma população de bilhões deles que teriam sido transportados para a Terra 75 milhões de anos atrás, a mando de um líder intergaláctico maligno, Xenu. Essas entidades, que Hubbard batizou de “thetans”, teriam perdido consciência de sua imortalidade ao ganhar um invólucro indesejado – o corpo. A cientologia prega que só por meio do aperfeiçoamento oferecido pela religião se podem retirar as travas que impedem a evolução do espírito até sua plenitude – quando seria possível ter controle absoluto sobre a mente.

Hubbard afirmava que tudo o que ocorre de ruim na vida das pessoas fica arquivado naquilo que ele denominou de mente reativa. Para a cientologia, essa é a fonte de problemas como stress, ansiedade, depressão, agressividade e pessimismo. Uma das maneiras de a religião ganhar adeptos é o uso do eletropsicômetro, ou e-meter, aparelho que mede o stress com base numa tecnologia também usada em detectores de mentiras. O usuário segura duas barras de ferro ligadas ao aparelho. Em tese, o ponteiro do e-meter vaipara a direita ao detectar pensamentos estressantes. Caso contrário, vai para a esquerda. O teste é aplicado diariamente em passantes desavisados em lugares como a estação de metrô de Times Square, em Nova York. Uma vez fisgados, os fiéis têm de vencer uma série de etapas de aperfeiçoamento – a primeira é a desintoxicação química do corpo. Ocorre que os métodos da cientologia são patenteados como se fossem segredos industriais. Para evoluir, o fiel tem de fazer mais e mais cursos que chegam a custar milhares de dólares. A igreja ameaça com processos quem divulga o conteúdo desses cursos. E avisa que conhecer essas “revelações” de forma inadequada pode levar os incautos à morte por pneumonia. Melhor ficar longe.

Proliferam histórias de gente que teve de vender a própria casa para satisfazer sua necessidade de freqüentar os cursos da seita. Registram-se episódios trágicos, como o do jovem americano Noah Lottick, que cometeu suicídio aos 24 anos, na década de 1990. Ele mergulhou do 10º andar de um hotel de Nova York sobre uma limusine, tendo nas mãos 171 dólares – toda a quantia que lhe restou depois de doar sua conta bancária à igreja. A seita é acusada de falsear dados para se promover. Os cientologistas afirmam que Dianética, um manual de auto-ajuda de Hubbard, foi best-seller durante quatro décadas. Há indícios, porém, de que a própria igreja comprava a obra em grandes quantidades para mantê-la nas listas dos mais vendidos. Descrito como um homem brilhante e iluminado, Hubbard na verdade obteve um diploma falso de doutorado e teria concebido parte de suas teorias sob o efeito de drogas e álcool. Depois de sua morte, ele foi submetido a uma autópsia. Havia uma alta dose de calmante em seu sangue.

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